domingo, 21 de julho de 2013

O GUARDA-FREIOS

O pioneirismo da ferrovia registra passagens onde desfilam e personagens anônimos, alguns destes, verdadeiros heróis.
Pessoas humildes, que não obstante sua simplicidade, deixaram exemplos sublimes de amor e dedicação às suas lides profissionais, transformando-as em verdadeiro sacerdócio.
O grau de envolvimento, chegava a ser tão forte que muitas das vezes extrapolava seu aspecto puramente profissional e o ferroviário defendia a instituição com ardor, orgulhando-se dela o e dedicando-se de corpo e alma a sua profissão, que era a razão maior de sua existência.
Não raro, o rude trabalho o expunha a riscos iminentes e exaustivos sacrifícios, mas isso não lhe causava desalento. Quando o pesado comboio passava com a batida cadenciada das rodas nas emendas dos trilhos e o som todo característico do vapor sendo expulso pelas escuras chaminés, o dedicado ferroviário sorria envaidecido, sentindo um calafrio a percorrer seu corpo. Ele fazia parte daquele espetáculo, e se sentia orgulhoso disso !
Dentre a extensa lista de funções existentes na ferrovia, é consenso que a mais perigosa dela era a de Guarda-Freios.
A locomotiva a vapor, antes da extraodinária invenção de George Westinghouse - que dotou as composições ferroviárias do sistema de frenagem pneumático até hoje utilizados - funcionava com um limitado sistema de freio a vácuo, que deixava muito a desejar, sobretudo em regiões de declive acentuado.
Objetivando reforçar a frenagem do trem na descida da serra, o Guarda-Freios subia no teto dos vagões e utilizando um volante ali existente, freaando manualmente cada um deles.
Com o trem em movimento, o Guarda-Freios era obrigado a saltar de um vagão para o outro para apertar os volantes, tarefa que envolvia um altíssimo risco, e exigia uma habilidade sem precedentes deste corajoso ferroviário.
Além do risco de desequilibrar-se com o balanço do trem, ou de escorregar no teto molhado pela chuva, ou mesmo de tropeçar nos antiquados passadiços de madeira existentes, existia uma ameaça maior, os túneis.
Devido a reduzida altura das locomotivas a vapor, os túneis eram também muito baixos. O Guarda-Freios, concentrado na sua tarefa, muitas das vezes descuidava-se deles e era colhido de surpresa.
Acidentes aconteciam com frequência e quando não causavam a morte, sempre ocasionavam sérios ferimentos e sequelas às suas vítimas.
O maquinista comunicava-se com o Guarda-Freios utilizando-se do apito. Assim, através de um código pré-estabelecido, os freios eram apertados ou afrouxados ao longo do trecho em que era necessária a utilização do freio manual. Ao longo da viagem o Guarda-Freios tinha de subir e descer dos vagões, apertando e desapertando os volantes manuais quantas vezes fossem necessárias.
E neste trabalho árduo, exaustivo e extremamente perigoso, colocavam sua própria vida em risco para garantir que o trem chegasse a seu destino com segurança.
Heróis anônimos da nossa história ferroviária, avançavam por onde quer que houvessem trilhos, enfrentando ora o frio, a umidade e os ventos gelados da serra, ora o calor extenuante que encharcava a camisa e tornava o ar pesado, quase irrespirável.
A estes valorosos profissionais, que com sua garra e coragem, muitas das vezes tombaram no cumprimento do dever, registramos nossa singela homenagem.
As estradas de ferro de todo o mundo devem a esses heróis anônimos, o tributo de serem o são hoje.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O TREM DE AÇO

Hoje quero compartilhar uma história que sempre me emociona.
Todas as vezes que a leio, fico com os olhos marejados e viajo no tempo, revivendo as fantasias da minha feliz infância, vivida às margens da linha.
Esta história é real, é a minha história !
E o garotinho de oito anos, 43 anos depois, ainda sente o cheiro do “Trem de Aço” e acaricia os peixes prateados quando embalado nos braços de Morfeu.


O TREM DE AÇO
A Biriba aproxima-se da estação com sua buzina rouca e seu porte altivo, enchendo a atmosfera com o bafo quente do seu possante motor, que ronca forte, porém sem agredir os ouvidos.
O Trem de Aço ( D.P. ), se alinha na plataforma para receber os passageiros que lotam a estação com suas bolsas, malas, pacotes e crianças, muitas crianças.
Entre eles está um garotinho que aparenta oito anos de idade. Este observa excitado a movimentação de todos aqueles alegres passageiros, embarcando no luzidio trem prateado com seus confortáveis assentos azuis.
Seu coração bate acelerado (quase a sair pela boca !). Sua ansiedade é grande Quer embarcar logo e sua maior expectativa está em sentir o “ cheiro do trem “ e ver de perto, mais uma vez, o quadro fixado na cabeceira daquele luxuoso carro de passageiros da Central do Brasil. Ali encontra-se gravado em alto relevo, dois grandes peixes de olhos brilhantes e barbatanas avantajadas.
E o garoto pisa afoito nos degraus retráteis, cujos desenhos também lhe chamam a atenção, sobe puxando o pai pelas mãos, apressado e ansioso, pois o grande momento, esperado há mais de um ano, se aproxima.
Quando o chefe do trem abre a porta, o garotinho emocionado não consegue conter suas lágrimas e leva a mão nos olhos tentando disfarçar. Respira fundo, na tentativa de inspirar a maior quantidade possível daquele “ cheiro de trem de aço “. Quer encher os pulmões e se extasiar com aquele perfume, naquele momento tão almejado, pois isso acontecia somente uma vez por ano, quando o pai, ferroviário, obtinha um passe livre para viajar naquele trem.
E fica , mais uma vez, extasiado com tudo o que vê.
O interior do carro é um primor em limpeza e organização.
As poltronas, de um deslumbrante tom azul, são as mais confortáveis que já sentou em toda sua vida.
E o cheiro ?
Ah !, o inebriante e inconfundível perfume do Trem de Aço jamais lhe sairia da mente pelo resto de sua vida, de tão agradável e misterioso que era.
O pai agora já lhe soltara as mãos e ele caminha sozinho até o primeiro assento. Agora, finalmente, ele estava ali, pertinho dos seus adorados peixes, que parecem observá-lo, com seus olhos brilhantes.
E quando olha novamente para aqueles misteriosos e apaixonantes peixes prateados, após um ano todo de expectativa, não mais consegue dissimular sua emoção e desaba num choro convulsivo, procurando o colo da mãe em busca de alento.
A mãe, sem entender o que se passara, procura silenciá-lo, pois os passageiros já começam a observar, curiosos, aquele cena.
Oferece-lhe o assento próximo a janela, mostra a plataforma cheia de gente, disfarça fechando um dos botões de sua camisa e pouco depois o garoto silencia, olhando desconfiado para os lados, disfarçando os olhos lacrimejados.
Agora, emoções contidas, começa a contar os minutos que antecedem aquela viagem.
E olha pela janela toda a movimentação na plataforma da estação, que vai cessando, na medida em que todos embarcam.
Agora só vê o chefe de trem com seu impecável uniforme azul, este sinaliza para a estação, que bate um sonoro sino. Logo depois se ouve um apito, a buzina rouca da Biriba..., mais um apito !
Após uma longa buzinada da máquina, já se ouve o ronco do motor da FA-1 ( a locomotiva modelo FA-1, fabricada pela empresa americana ALCO e apelidada no Brasil, de “ Biriba “).
O trem se põe em movimento, devagar, e entre acenos os passageiros se distanciam cada vez mais da estação de Cruzeiro, que vai ficando para trás naquela agradável tarde de outono.
Novas emoções no decorrer da viagem, esperam por aquele garoto alegre e sonhador. O chefe do trem logo aparece com seu picotador de passagens e brinca com ele, logo surgem as guloseimas que são oferecidas pelos vendedores do trem, tudo é festa !
As paisagens agora passam rápidas; campos, rios, gados, pontes, túneis, estações, crianças acenando nas janelas...
E a Biriba com sua buzina rouca pode ser avistada soltando negra fumaça, quando faz curvas para a esquerda, lado onde se senta o menino com sua família.
Os postes da ferrovia passam correndo, os fios ora se abaixam, ora se levantam, quando da passagem dos mesmos e o trem avança, com destino a Itatiaia, estação de destino daquela viagem.
O garoto não perde uma cena sequer e com o rosto colado na vidraça, registra como se fosse uma câmera, todos as cenas e imagens ao longo do percurso, ora sorrindo, ora acenando, ora sério e absorto nos seus pensamentos.
Em dado momento, percebendo que a sua estação de desembarque se aproxima, pede ao pai que o levante, para que possa ver mais de perto os seus peixes de olhos brilhantes. O pai assim o faz e ele acaricia cada detalhe daquela escultura, conversando silenciosamente com seus amigos prateados, “guardiões daquele trem” , na sua maneira de ver.
Quer beijar o peixe maior, de grandes barbatanas, mas o pai o repreende dizendo-lhe que aquilo está sujo (não entende como uma peixe tão brilhante pode estar sujo...).
Aquele viaduto com um grande tubo passando sobre a linha é a indicação que chegaram à estação em Itatiaia, e logo teriam de descer.
Entristecido olha pela última vez cada detalhe à sua volta, conversa em silêncio mais uma vez com os peixes guardiões, respira profundamente tentando guardar o cheiro do trem nos pulmões e eis que o trem para naquela já conhecida e familiar estação.
Começa a caminhar lentamente pelo corredor, em direção às escadas, gosto amargo na boca, um aperto no peito e de novo aquela vontade incontrolável de chorar...
Desce do trem entristecido, mas eis que vê na estação o seu adorado tio Ismael que com um largo sorriso corre em sua direção e o envolve com um apertado abraço. Mal percebe quando o trem se afasta, pois agora sua atenção está voltada para as pescarias, banhos no rio Bonito, guerrinha de mamonas com a molecada e muita agitação durante aquelas duas semanas de férias que passará em Itatiaia na casa dos tios.
Todos os dias, porém, quando se aproxima o horário da passagem do D.P., lá vai ele para a estação tentando respirar aquele misterioso “cheiro de Trem de Aço“ e lançar ao menos um furtivo olhar para seus amigos prateados, guardiães daquele fantástico trem que tanto adora.

terça-feira, 21 de maio de 2013

TRIBUTO AO MEU AMIGUINHO FRITZ

E assim aconteceu...
Um dia, do nada, você aparece.
Meio desorientado, assustado, sem entender direito o que acontecia à sua volta, você investiga cada canto da sua nova casa.
Não estava acostumado com os espaços confinados comuns em apartamentos, estranhou a falta de espaço...
Habituado com a liberdade das ruas, você era obrigado a descarregar suas energias correndo pelos cômodos, subindo nas janelas e pulando do chão para o sofá e do sofá para o chão, freneticamente.
Sem as árvores de cascas ásperas para amolar suas unhas, não lhe restou outra alternativa a não ser utilizar o sofá, e aí você fez sua primeira travessura.
Depois, suas repetidas incursões pela janela da sala e da área de serviço acabaram por comprometer as malhas da rede de proteção e você quase nos matava de preocupação, quando colocava a metade do corpo para fora, sem medo daquela altura do terceiro andar.
Depois apareceu um intruso na casa. Um peixe que ficava nadando o dia todo e chamando sua atenção. É claro que, como um legítimo representante da raça felina, você era louco por peixes.
Bastou um descuido e você, não porque estivesse com fome, mas aguçado pelo seu instinto de caçador, acabou tirando o peixe do aquário. A consequência não foi das melhores, mas nós o isentamos da responsabilidade. O instinto falou mais alto, e no seu caso nós entendemos.
Mas por que falar somente das suas travessuras, se temos tantas coisas mais interessantes para comentar, não é mesmo?
Que tal falarmos do torneio de perseguição aos insetos invisíveis, em que você era sempre o campeão com absoluta invencibilidade?
Ou das jornadas de caça às bolinhas de papel que você, com aquele seu miadinho característico de felicidade (que soava como um grito de guerra), saía em desabalada carreira “cantando pneu” no piso para demonstrar seu “poder de aceleração”?
Você se lembra de quando começou a trazer as bolinhas de volta para a gente jogar de novo? Foi uma emoção fantástica (embora você estivesse com ares “caninos”), desculpe a ofensa!
Mas você, como sempre se superou, inovou pegando a bolinha e colocando-a dentro da bota, dentro do sapato (e isso foi absolutamente notável, pois foi um fato inédito digno de ser registrado).
Mas o interessante era quando você esticava as orelhinhas e o bigodinho e já ia para a porta da sala esperar o seu súdito-mor (Allen), mesmo quando ele ainda estava abrindo o portão da garagem.
Sabe, Fritz, confesso que em algumas oportunidades tive ciúmes de você. Você acabou se tornando uma “sombra” da sua mãe (ou avó) humana, a Rita. Mas o que mais me deixava enciumado, era que você se recusava a dormir em outro lugar, a não ser na cama, com ela. Esperava até de madrugada para ir dormir e somente ia para o quarto quando ela decidia dormir.
Ela ia para cozinha, você ia atrás, ela ia para sala, você a seguia, e ela voltava, você voltava junto.
Você a ajudava a lavar as roupas (supervisionando o serviço sentando sobre a máquina), a limpar o chão (testando se ele estava liso), a passar roupa (quase se sentando em cima do ferro).
Prestava ainda um grande serviço para nossa saúde, evitando acúmulo de água (dentro da mangueira do chuveiro), quando pulava no chuveirinho fazendo a água cair (para você beber).
Sem falar das vezes em que você enxugava o lavatório do banheiro com seus pelos.
Agora, o que mais impressionava era seu senso se limpeza, sua higiene.
Bastava alguém deixar a escova em cima do lavatório que lá ia você escovar seus dentes, rotina disciplinada e diária!
Não vamos falar sobre as favelas de caixas que você adorava, pois aquilo, de fato deixava a sala muito feia.
Mas o seu metrô era demais ! LMF (Linhas Metroviárias do Fritz), com o vagão todo decorado com desenhos multidisciplinares de diversos autores. E você era o único passageiro autorizado a entrar nele.
E os apelidos, “Linduro”, “Reizinho”, “Nenego”, e os sachês deliciosos que você comia até não aguentar?
Legal também era você medir a profundidade da água do balde com as patinhas, antes de colocar a linguinha para beber. Molhava a cozinha toda, você se lembra?
Ah Fritz! Nunca mais comerei um iogurte sem me lembrar de você. A gente sentava no sofá e você já ficava esperando para lamber o potinho (mas não gostava de iogurte diet).
Comer mosquitos era bom, mas ciriluia era melhor, apesar de que a gente tinha que ajudar nas caçadas.
Sabe Fritz, quando eu me recordo dessas coisas, a minha vontade incontrolável de chorar e o nó que aperta minha garganta, fica um pouco amenizado.
Quando eu me recordo de quanta coisa a gente viveu junto neste apenas um ano que você ficou conosco, vejo o quanto você foi importante nas nossas vidas (eu sempre soube disso!).
Vou sentir saudade do seu focinho molhadinho tocando meu nariz.
Vou sentir saudade de ter você nas manhãs, roçando minha perna e pedindo carinho.
Vou sentir falta da sua “carinha de ursinho” me olhando nos olhos e dando aquela “piscadinha lenta”.
Vou sentir falta de olhar da rua, a janela da sala.....e não ver você.
Mas sabe, Fritz, não vou ficar reclamando não.
Você é tão especial, que “Papai do Céu”, convocou você para uma missão especial no outro plano. Lá, com certeza, você estará alegrando outros humanos (desencarnados como você).
Vai lá, mostre para eles o que o “Reizinho” sabe fazer.
Mostre para eles, o seu poder de proporcionar alegria, descontração e felicidade.
Mostre para eles, “Nenego”, o quanto de luz você irradia com sua aura boa.
Mostre para eles o que é o amor na sua essência mais pura.
Mostre que você é o Fritz von Chucrute Arruda.
E me espera.......um dia a gente ainda vai se encontrar de novo.





FRITZ, NOSSO AMIGUINHO PELUDO

E de repente, um animalzinho doce e inocente passa a fazer parte da vida da gente.
E de repente, ele começa a fazer parte da família e a conviver na intimidade do seu lar.
E aí, todos os espaços da sua casa passam a ser compartilhados por aquela criaturinha, que com suas brincadeiras, suas manias e seus gracejos encantam a todos.
E de repente, ele vira o “reizinho” da casa, foco de todas as atenções..... e você cria uma voz para ele, falando dos sentimentos dele com relação à todo que acontece.
E você interage com ele, e recebe cumprimentos em forma de “beijo de focinho molhado”.
E quando acorda, ele se enrosca em você, e quando você anda pelo corredor ele corre junto às suas pernas....se você não fica atento, corre até o risco de pisar nele.
E ele dorme com você, acorda com você, come com você, brinca com você.
E de repente.....este amiguinho peludo se vai para o outro plano, em uma “viagem fora do combinado”.....
E fica um buraco no peito.
E a casa fica vazia.
E você sente falta do amiguinho em cada centímetro cúbico da casa.
Fritz, que saudade das brincadeiras com bolinha de papel.
Que outro gato pegará as bolinhas, como você pegava, com a boquinha, e as colocará dentro da bota ou do sapato.
Fritz.....que bom que você veio e espalhou tanta alegria na nossa casa.
Você cumpriu a sua missão...nos fez feliz!
Que pena que você se foi tão cedo.
Você nunca será esquecido, jamais sairá das nossas doces lembranças.
Nossas lágrimas incontidas uma hora cessarão, "reizinnho" , mas nosso amor por você "Nenego", o acompanhará por toda a eternidade.
Saudade eternas de Fritz von Chucrute Arruda.

domingo, 5 de maio de 2013

JORNAL REGIONAL - CRUZEIRO - SP - Artigo 2


Dentre as imagens que alimentaram minhas fantasias de infância, sobretudo naquele “cenário mágico” das estações ferroviárias, uma delas me encantava e despertava em mim grande curiosidade.
Ver aquela fitinha com pontos e traços, recebendo mensagens (para mim “enigmáticas”) era algo incrível !
Assim eu nutria uma admiração especial pelos telegrafistas, que para mim eram seres dotados de um “dom sobrenatural” que lhes permitiam ler frases onde eu enxergava apenas pontinhos e tracinhos.
Assim, aproveito este nosso espaço para fazer uma homenagem ao telegrafista Juca Mota (José Caetano Mota), que atuou como telegrafista nas estações de Rufino de Almeida, Perequê, Cel. Fulgêncio e Passa Quatro. E esta homenagem, estendo à todos aqueles que através do famoso “pica-pau” (manipulador telegráfico), se tornaram baluartes, em uma época em que este, muitas das vezes, era o único meio de comunicação disponível.


O TELEGRAFISTA


Na pequena estação esquecida no alto da serra, reinava o silêncio e a solidão naquela abafada noite.
O ar parado, sequer as folhas das árvores se mexiam... Uma atmosfera misteriosa rondava o ambiente.
O manobreiro cochilava com a cabeça apoiada sobre a mesa, espantando com as mãos os pernilongos que insistiam em “cantar” nos seus ouvidos.
José Francisco Neto, o telegrafista, incomodado com a monotonia do ambiente, prefere sair e sentar-se sobre a plataforma vazia e escura. Enquanto isso observa as estrelas, na expectativa de que uma suave brisa venha lhe acariciar os cabelos...
De repente, o silêncio é quebrado pelas batidas da palheta do telégrafo e ”de ouvido” pega uma mensagem misteriosa: “... a solidão toma conta de mim...”
Corre para o manipulador e pergunta de onde vem a mensagem, quem está do outro lado?
Em resposta, o mais absoluto silêncio...
Ele retira o surrado relógio de algibeira de dentro do bolso, confere as horas e arrepiado constata: os ponteiros apontam para o infinito, era meia noite.
Calafrios percorrem sua espinha, ele olha para o companheiro que ronca debruçado sobre a mesa já sem se preocupar com os pernilongos, este nada presenciara!
O restante do turno corre tranqüilo e sem novidades, mas o impressionado telegrafista não se esquece da misteriosa mensagem captada naquela noite.
Não comenta nada com os amigos com medo de ser ridicularizado, mas ansioso, já fica pensando na próxima noite.
E ela chega mais rápido do que ele imagina... Repete-se a cena: a estação deserta, o silêncio, a atmosfera abafada, o manobreiro dormitando, debruçado sobre a mesa...
Desta vez ele não vai para a plataforma, fica “grudado” no telégrafo aguardando a “hora grande”.
E no momento exato em que os ponteiros se juntam e o relógio da estação começa a bater as dozes badaladas noturnas, uma nova mensagem começa a se desenhar nos pontos e traços da amarelada fita: “... nesses momentos de sofrida solidão...”
Mais uma vez calafrios violentos tomam conta do corpo do telegrafista que passa as mãos sobre os cabelos ao sentir que estão arrepiados...
Com as mãos trêmulas e os olhos orvalhados de emoção, pergunta mais uma vez se aquilo é brincadeira de algum colega de outra estação, pergunta se algum outro telegrafista captara a mensagem....
De novo tem como resposta, o mais absoluto silêncio...
Corre para o banheiro, lava o rosto, se olha no espelho...
Toma uma caneca de café quente, sai no pátio e observa a passagem de um trem cargueiro, que desaparece na curva, deixando para trás a fumaça cheirosa do carvão mineral e os apitos que ecoam nas encostas da serra.
Nos próximos dias não consegue mais pensar em outra coisa, sente-se obsidiado pela idéia, ansioso por chegar ao fim dessa misteriosa história.
E as mensagens se sucedem nos próximos três dias, completando a enigmática mensagem, que em rimas dizia:
” A tristeza toma conta de mim,
Nesses momentos de sofrida solidão.
Desde que daqui parti,
Sangrando está meu coração.
Por isso me aproximei de ti,
No silêncio desta nossa estação.
E contigo estarei sempre,
Creia, não se trata de sua imaginação.”
E a última mensagem esclarece:
“Quer saber quem sou eu? Veja o Livro de Ocorrências dos Telegrafistas, página 89, ano de 1894”
Surpreso e profundamente impressionado, o telegrafista observa que trata-se de um livro de 90 anos atrás.
Após uma demorada busca nos arquivos empoeirados da estação, finalmente encontra um velho e amarelado livro de capa dura desbotada. Abre o livro na página mencionada e trêmulo de emoção observa entre as anotações referentes às atividades do telegrafista do plantão da noite, disfarçada no cantinho da página, escrito à lápis, uma frase que estivera presente no seu pensamento durante todos aqueles dias:
“... a tristeza toma conta de mim, nesses momentos de sofrida solidão...”
Vira afoito a folha para ver a assinatura do telegrafista e com a vista embaralhada pelas grossas lágrimas que inundam seus olhos, desvenda, enfim todo aquele mistério...
Assina o relatório, o telegrafista José Francisco, seu falecido avô.

JORNAL REGIONAL - CRUZEIRO - SP - Artigo 1

Que bom estar de volta! Que sensação boa! Há aproximadamente 10 anos, eu me fazia presente aqui no Jornal Regional, em todas as edições, com minha coluna “Sonhos sobre trilhos”. Tenho guardado todas as publicações e confesso que não foram poucas as vezes que peguei a pasta com os recortes já amarelados pelo tempo e os reli, com saudade. Mudei-me de Cruzeiro, fiquei longe dos amigos e da minha cidade, mas ficava me perguntando sempre, se teria esta oportunidade novamente. E confesso que estou encantado com a ideia do retorno. Um sonho está se tornando realidade. Vale lembrar que os textos aqui compartilhados, foram escritos ao longo de mais de 25 anos e relatam “causos”, memórias, crônicas e histórias nascidas do tão rico folclore ferroviário. São cenários desenhados pela vida, ao lado das “linhas gêmeas de aço brilhante”, que enterneceram minha alma e coloriram minha existência. Venha comigo, o apito da locomotiva já ecoa nas encostas da serra e meu coração já bate acelerado, aguardando com avidez a chegada do trem na nossa estação. Boa viagem ! Bons sonhos ! Hoje quero fazer uma homenagem a alguém muito especial. Gozado, as pessoas passam pela vida da gente e a gente pela vida das pessoas e na maioria das vezes não nos damos conta da importância disso ! Mas em algum ponto da nossa existência, levados por circunstâncias nem sempre programadas ou previsíveis, fixamos a atenção em um determinado instante da nossa vida e percebemos a presença de pessoas que protagonizaram alguns capítulos inesquecíveis da nossa história. Permitam-me relatar algumas experiências de saudosas lembranças ?? Para isso vamos entrar no túnel do tempo e retornar ao passado. Meados da década de 70. O nosso cenário (como não poderia deixar de ser ), é a nossa bela Estação Ferroviária de Cruzeiro. O garotinho com a bandeja de salgadinhos... sou eu !



SR. ADOLPHO VITOR O CHEFE DE ESTAÇÃO DA REDE MINEIRA


“A estação fervilha de passageiros que apressados correm de um lado para outro, carregando (alguns arrastando) suas pesadas malas pela plataforma, ora em direção ao embarque nos trens da Central, ora buscando a plataforma da Rede Mineira. Em meio àquela agitação toda, um garotinho de pouco mais de 12 anos carrega uma bandeja de alumínio arredondada, coberta com um pano de prato branco com bordados nas extremidades, confeccionado a partir dos conhecidos sacos de algodão alvejados. A bandeja repleta de bolinhos de ovo (um ovo cozido, coberto de massa de farinha de trigo frita em óleo fervente), pesa nos franzinos braços do garotinho, e ao mesmo tempo lhe aquece a pele, obrigando-o a trocar de braço, enquanto caminha pela plataforma oferecendo o conhecido “engasga galo” aos passageiros. O gostoso cheiro do “sustancioso” salgado, aliado às argumentações espirituosas do jovem vendedor, garantiam absoluto sucesso nas vendas e logo estava ele, com a bandeja vazia e o bolso cheio de trocados que levava contente, entregando em seguida à mãe, para ajudar nas despesas da casa. E assim acontecia diariamente, nas chegadas e saídas dos trens. Naquele lado da estação (lado da RMV) , entre os afoitos passageiros que corriam de um lado para outro, chamava a atenção do garoto vendedor de salgadinhos, um personagem difícil de não ser notado. Com seu impecável terno de cor escura e sua elegante gravata, este era o Chefe da Estação de Cruzeiro. Lembro-me muito bem do seu olhar bonachão, a voz pausada, a educação em pessoa! Atento a tudo que acontecia ali, chamava nossa atenção, sobretudo quando desrespeitávamos as normas de segurança da ferrovia. Mas tudo isso sem agressividade, colocava a mão no nosso ombro, nos tratava com carinho e respeito. Isso fazia com que nós (quando digo nós refiro-me a mim e aos outros vendedores de salgados), sentíssemos uma profunda admiração pelo Chefe da Estação e o respeitávamos muito. Hoje, mais de 40 anos se passaram e a estação não mais registra aquele movimento todo. Está deserta, maltratada, triste... Não mais existem os trens nem os meninos vendedores de salgadinhos... O cenário, outrora agitado e alegre, hoje é só desolação, abandono, ruínas. Entretanto, toda vez que olho para a estação, minha mente foge da (triste) realidade e viaja no tempo, vivenciado aqueles áureos tempos. E me lembro do Sr. Adolpho Vitor, Chefe da Estação da Rede Mineira de Viação. Difícil é lembrar de tudo isso e não marejar os olhos de saudade... Sr. Vitor foi para nós, outrora vendedores de salgadinhos na estação de Cruzeiro, hoje com famílias formadas e preocupados com a formação dos nossos filhos, um grande exemplo de seriedade, educação e sobretudo respeito à dignidade do próximo. A forma enérgica, entretanto gentil e educada com que nos tratava, com certeza contribuiu para nossa educação e nortearam nossa postura diante da vida. Sr. Vitor, que bom que o senhor estava lá com a gente.

domingo, 7 de outubro de 2012

DIA DE ELEIÇÃO

Gostaria de estar feliz, desfraldando a bandeira do Brasil na minha janela e vendo outras bandeiras também em outras janelas. Gostaria de estar comemorando a "vitória da democracia" e com meu coração cheio de esperanças, na expectativa de um novo recomeço na condução política das nossas cidades. Gostaria de estar envolvido por um sentimento de "euforia cidadã" e imagino como seria bom se este clima estivesse inundando cada pedacinho deste nosso grande país. Mas sei que infelizmente isso ainda é utopia no nosso amado Brasil. Sairei daqui a pouco e encontrarei nas ruas pessoas apáticas (como eu), votando por obrigação (como eu), desesperançosas de que alguma coisa realmente mude para melhor (como eu), decepcionadas com aqueles políticos nos quais depositou a confiança dos seus votos na última eleição (como eu). Encontrarei pessoas impacientes nas filas, mesários injuriados porque estão sendo obrigados a trabalhar no domingo, cabos eleitorais com sorrisos sardônicos tentando me convencer a votar nos seus candidatos. E muito provavelmente, encontrarei candidatos amáveis, solícitos e sorridentes. Para estes, não me esquecerei de levar um vidro de óleo de peroba! DIA DE ELEIÇÃO. MEUS PÊSAMES, SENHOR BRASIL!