terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O vazio... e o nada...

A presença da ausência nas noites frias...

A cama, metade vazia...o travesseiro no chão...

A janela aberta...o vento na cortina.

E o vazio invadindo o quarto.

A ausência da presença nas madrugadas vazias...

A alma, metade fria...frias as mãos...

A vida incerta, sequer se descortina.

E o sol não se deixa ver, este não invade meu quarto.

Noites frias...

Almas vazias...

Vidas incertas...a escapar pela janela...

Que se fecha ao perceber o sol.

Ausência da presença...

Como ausente está o sol.

Presença da ausência...

Como presente está o vazio.

Noites incertas...

Vidas vazias...

Almas frias...

A manhã expulsa a madrugada pela porta entreaberta,

E a janela, ainda fechada, resiste em deixar a luz do sol entrar.

Na cama, um corpo inerte...

Os olhos paralisados fitam o branco do teto...

Fitam o nada!

E o nada invade o quarto...

E o nada invade o corpo...

E o nada invade o nada.

A presença do nada, agora é tudo.

A ausência de tudo agora é o nada.

O nada...

Incolor...

Inodoro...

Insípido...

E indolor!

O nada é indolor.

Na cama um corpo inerte...

E o vazio se casa com o nada...

Com o nada...

Com o nada...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A "canadense" estranha

Sempre gostei de locomotivas !

De todas, sem exceção, embora tivesse (e ainda tenha) verdadeira fascinação pelas locomotivas a vapor.

Conhecia todas (sempre pelos apelidos), fazia questão de apreciar cada uma delas, cada qual com seu atrativo próprio, suas características principais, seu “traço de personalidade marcante”.

Na época que relato (década de 70), as principais locomotivas da Central do Brasil eram “ RS-3”, locomotivas eletrodiesel do estilo “Road-Switcher”, do fabricante americano de nome “ALCO” (American Locomotives Company), porém com um detalhe importante, estas foram fabricadas por uma sucursal da “ALCO” no Canadá, a “Montreal Locomotives Works”, por isso receberam, aqui, o apelido de “Canadenses”.

A “Canadenses” RS-3 era linda ! cabina com linhas arredondadas, um barulho todo peculiar do seu então possante motor de GE de 1600 HP (normalmente aspirado).

Foram as primeiras locomotivas com truques de rolamentos adquiridas pelo Brasil, pois até então, suas antecessoras eram dotadas de mancais de bronze lubrificados.

As “Canadenses” tracionavam todos os cargueiros da “Central”, muitas vezes em composições dúplex ( duas máquinas ) e até mesmo triplex ( três máquinas ).

O mais importante, porém, é que estas máquinas puxavam o Trem Expresso que nos transportava até Itatiaia, nas nossas férias de fim de ano.

Esperávamos o ano todo por este passeio e aquela buzina grave das Canadenses, passando em frente à nossa casa, com o trem expresso diurno, nos lembrava que teríamos um dia a menos a esperar pela tão esperada viagem.

Um dia, sentado às margens da linha, fui alertado por uma cena que me chamou muito a atenção...

Uma “Canadense de cara quadrada” com cabina em ângulos retos, uma interessante chaminé afunilada e formas totalmente diferentes da que conhecíamos, encontrava-se desviada, próximo à guarita do guarda-chaves.

Corremos para ver de perto a novidade e enquanto o trem se encontrava desviado, tivemos toda a oportunidade do mundo para “curtir” a máquina. Analisamos cada diferença, cada detalhe e ficamos encantados com aquela “Canadense diferente”. Nunca mais nos esquecemos deste dia !

Hoje sei que tratava-se da antecessora da RS-3, era uma das RS-1.

Esta locomotiva, também da Montreal Locomotive Works, chegou ao Brasil em 1943 e tivemos a feliz e rara oportunidade de presenciar uma de suas últimas aparições do ramal de São Paulo.

Como eu gostaria de ver novamente uma RS-1. Será que ainda existe alguma preservada por estes “cantões” do meu Brasil ??

O peregrino

O Expresso Boiadeiro, trem noturno que cruzava as alterosas buscando o Vale do Paraíba, precisamente a cidade de Cruzeiro, avançava debaixo de uma chuva torrencial, cujas rajadas de vento lavavam o interior da cabine da locomotiva.

Sua preciosa carga era uma boiada oriunda das Minas Gerais, que tinha como destino o grande e famoso “Frigorífico Bianco”, então a maior empresa da cidade, motivo de orgulho para todos os cruzeirenses.

O velho e experiente maquinista, juntamente com seu dedicado companheiro, o “Tião foguista”, se esforçavam para manter a pressão da caldeira, pois a lenha molhada do tender, já não oferecia o fogo voraz de algumas horas atrás, até encontrarem aquela violenta tempestade, na altura do lugar chamado Pé do Morro.

A roupa que antes estava colada ao corpo devido ao suor dos valentes ferroviários, agora estava ensopada também pela chuva. E estes sabiam que se por um lado aquela aguaceira toda trazia alguns inconvenientes, por outro servira para refrescar a cabine, cuja fornalha incandescente, trabalhava sem cessar, para manter a pressão de 180 lbs. indicada no grande manômetro, precariamente iluminado pela lâmpada amarelada da cabine, cujo bulbo enegrecido pela fuligem mostrava pingentes de picumã, que comprometiam ainda mais a tosca iluminação.

E a valente Consolidation avançava soltando grossas tranças de fumaça negra, apitando sem cessar para espantar o gado que normalmente pastava às margens da linha, naquele trecho. O farol, iluminando ao longe, mostrava os grossos pingos na escuridão da noite.

E eis que se aproximam da estação Coronel Fulgêncio, que antecede o grande túnel, quando o maquinista avista uma lanterna vermelha sacolejando na escuridão.

Pára o trem vagarosamente, espreguiça-se, relaxando a tensão dos últimos quilômetros, recomenda ao foguista que reforce a pressão na caldeira e complete a água do tender, depois caminha vagarosamente rumo à plataforma.

Ali chegando encontra o rondante do trecho com seu grande chapéu de couro e a pesada capa de lona. Cumprimentam-se e o rondante lhe faz algumas recomendações para a descida da serra, informando-lhe sobre os pontos mais críticos, sobretudo após fortes tempestades como aquela.

Logo depois da troca de informações de praxe, o rondante chama alguém que aguardava no outro extremo da plataforma e o apresenta ao maquinista.

Explica-lhe que aquele andarilho aparecera por ali ensopado, faminto e que tinha como destino também a cidade de Cruzeiro. “Pedi que aguardasse o trem pois achei que o senhor não se importaria de levá-lo” – conclui.

O maquinista, de coração generoso, concorda de pronto e convida então o desconhecido forasteiro a entrar na cabine da locomotiva para darem prosseguimento à viagem.

Dali até Cruzeiro, percorreriam os últimos 25 quilômetros, porém a serra, de elevada inclinação, exigiria muita habilidade para conduzir o comboio, sobretudo num tempo como aquele.

Já no interior da cabine, com o trem em movimento, o maquinista puxa conversa com o aquele homem. Somente agora observa o seu semblante harmonioso, a barba cobrindo o rosto, os cabelos compridos ondulados a cair sobre os ombros, o olhar sereno e a fala mansa.

Na medida em que o trem avança, sente-se uma atmosfera de paz, um agradável perfume silvestre invade o ambiente e o maquinista, de olhar sofrido e olhos orvalhados sente-se sensibilizado a abrir seu coração com o desconhecido passageiro.

Era véspera de Natal e ele comenta da pressa em chegar a Cruzeiro. Tinha uma promessa que, enquanto vivesse, jamais deixaria de visitar um presépio nesta data, para agradecer ao menino Jesus as bênçãos alcançadas durante o ano.

Conta ainda com os olhos mostrando grossas lágrimas, que tem um filho paralítico, de apenas 10 anos, e da certeza de que o Senhor um dia o curaria.... retira da algibeira seu relógio, confere as horas e comenta que daria tempo ainda de buscar a esposa e o filho para irem juntos à Missa do Galo ...

O desconhecido ouve com atenção, emociona-se também, e lhe destina palavras de ânimo, de fé, de confiança em Deus, da importância da resignação diante dos desígnios do Pai...

E a conversa se desenrola com tamanha emoção que, sem perceberam, já se encontravam na Estação Rufino de Almeida, em Cruzeiro, onde o gado seria desembarcado.

O pesado cargueiro pára no desvio, o auxiliar desce para fazer a chave, o maquinista agora faz a manobra, voltando somente com a locomotiva para a via principal. Absortos nos afazeres esquecem-se por uns momentos do misterioso passageiro e quando se voltam para o fundo do tender onde ele estivera nos últimos minutos, não mais o vêem. Ele se fora sem se despedir...

Os dois se entreolham, não entendem bem o ocorrido, e prosseguem até a Rotunda, onde a locomotiva ficaria para os preparativos da próxima viagem.

Despedem-se emocionados, com votos de um Feliz Natal, e seguem cada um para sua casa.

O maquinista caminha silencioso a pensar nas palavras do estranho homem que conduzira no seu trem.

Recorda-se da atmosfera de paz e harmonia que se instalara no interior daquela cabine enquanto ele ali estivera e do estranho perfume que invadira a cabine...

Caminha absorto nos seus pensamentos e nem percebe que se aproximara de sua casa. Assusta-se quando ouve a esposa gritar, chorando e rindo ao mesmo tempo, corre para ela !

E eis que de repente, pela porta entreaberta de sua singela residência, aponta um menino de pé, equilibrando-se com dificuldade...

Ele o vê pela fresta iluminada e reconhece, é seu filho!

Velhas estações

Ali está a velha estação perdida no alto da serra, esquecida naquele deserto verde. Suas paredes de madeira confundem-se entre os galhos tortuosos das velhas árvores que teimam em forrar a plataforma com um macio tapete de folhas.

O único ruído que se ouve é o matraquear do velho telégrafo. Através daquelas palhetas chegam os pontos e traços ; única maneira de alguém se comunicar com aquele lugarejo afastado de tudo e de todos, onde residem pouco mais de dez pessoas entre funcionários da ferrovia e seus familiares.

A densa floresta, dividida pelo leito da ferrovia, insiste em avançar por sobre as pedras e dormentes enquanto as ramagens das árvores, num entrelaçado de cipós e folhas, formam um “telhado verde” que resiste heroicamente ao calor da fumaça e das chispas que voam velozmente das negras chaminés das locomotivas.

A chegada do Expresso é o momento mais esperado do dia. Todos correm para a estação, quando ouvem o apito da velha locomotiva a vapor na curva do rio.

A expectativa é grande :

- Quem será que vai viajar hoje ?

- Será que vai chegar alguém novo no vilarejo ?

- Será que o Correio trará alguma correspondência ?

- A encomenda tão esperada terá chegado neste trem ?

E assim todos se aproximam do trem encostado na plataforma e observam enquanto os carregadores desembarcam a bagagem, levando grandes caixas e malotes até o armazém.

As meninas-moças aproveitam a oportunidade para lançar um olhar de soslaio no interior das classes, à procura de um “bom partido”, na esperança de que, arranjando um casamento, saiam daquele “fim de mundo”.

Mas toda aquela euforia dura apenas alguns minutos, pois logo o apito do chefe da estação sinaliza avisando da partida do comboio. E a velha locomotiva a vapor, soltando tranças de fumaça escura, sai resfolegando da estação, rumo à próxima parada, onde a cenas com certeza se repetirão...

Volta a reinar o silêncio absoluto, apenas interrompido pelo alegre cantar de um inhambú-chororó, ou pelo arrulho de uma juriti gemedeira.

A estação volta a ficar só e o velho telegrafista dormita por detrás de uma tosca e pesada mesa de madeira, enquanto o matraquear das palhetas transmitem os pontos e traços de uma enigmática mensagem.

E no rastejar das horas, aproxima-se a noite, onde um velho lampião a querosene, com suas trêmulas chamas, tenta iluminar com seu clarão avermelhado, o interior daquela pequena sala. Ali estão o aparelho do seletivo, o telégrafo, o staff, e num canto da sala, um porta bandeirolas, com três bandeiras: uma verde, uma amarela e uma vermelha.

Um grosso vidro de goma arábica sobre a mesa, com uma tampa terminada em pincel; um porta carimbos lotado; pesados livros de capa dura revestida de tecido cáqui; o arco metálico revestido de couro, para prender a licença.

Paisagens de um tempo de glória da nossa ferrovia, hoje tão esquecida, tão abandonada...

Memórias de um tempo em que a magia se misturava à poesia e alegrava os corações dos ansiosos passageiros a lotar as plataformas na espera daquele apito que ecoava na serra, indicando que o Expresso se aproximava....

E o gostoso cheiro do carvão mineral queimado se misturava com os alvos leques de vapor que inundava a estação.

Por isso, quando passar por uma velha estação, olhe-a com carinho e respeito, pois ela certamente registra marcas de um passado de glória. Glória esta que a insensatez dos homens acabou transformando em tristes monumentos destruídos pela implacável ação do tempo.

O telegrafista

Na pequena estação esquecida no alto da serra, reinava o silêncio e a solidão naquela abafada noite.

O ar parado, sequer as folhas das árvores se mexiam... Uma atmosfera misteriosa rondava o ambiente.

O manobreiro cochilava com a cabeça apoiada sobre a mesa, espantando com as mãos os pernilongos que insistiam em “cantar” nos seus ouvidos.

José Francisco Neto, o telegrafista, incomodado com a monotonia do ambiente, prefere sair e sentar-se sobre a plataforma vazia e escura. Enquanto isso observa as estrelas, na expectativa de que uma suave brisa venha lhe acariciar os cabelos...

De repente, o silêncio é quebrado pelas batidas da palheta do telégrafo e ”de ouvido” pega uma mensagem misteriosa: “... a solidão toma conta de mim...”

Corre para o manipulador e pergunta de onde vem a mensagem, quem está do outro lado?

Em resposta, o mais absoluto silêncio...

Ele retira o surrado relógio de algibeira de dentro do bolso, confere as horas e arrepiado constata: os ponteiros apontam para o infinito, era meia noite.

Calafrios percorrem sua espinha, ele olha para o companheiro que ronca debruçado sobre a mesa já sem se preocupar com os pernilongos, este nada presenciara!

O restante do turno corre tranqüilo e sem novidades, mas o impressionado telegrafista não se esquece da misteriosa mensagem captada naquela noite.

Não comenta nada com os amigos com medo de ser ridicularizado, mas ansioso, já fica pensando na próxima noite.

E ela chega mais rápido do que ele imagina... Repete-se a cena: a estação deserta, o silêncio, a atmosfera abafada, o manobreiro dormitando, debruçado sobre a mesa...

Desta vez ele não vai para a plataforma, fica “grudado” no telégrafo aguardando a “hora grande”.

E no momento exato em que os ponteiros se juntam e o relógio da estação começa a bater as dozes badaladas noturnas, uma nova mensagem começa a se desenhar nos pontos e traços da amarelada fita: “... nesses momentos de sofrida solidão...”

Mais uma vez calafrios violentos tomam conta do corpo do telegrafista que passa as mãos sobre os cabelos ao sentir que estão arrepiados...

Com as mãos trêmulas e os olhos orvalhados de emoção, pergunta mais uma vez se aquilo é brincadeira de algum colega de outra estação, pergunta se algum outro telegrafista captara a mensagem.... De novo tem como resposta, o mais absoluto silêncio.

Corre para o banheiro, lava o rosto, se olha no espelho...

Toma uma caneca de café quente, sai no pátio e observa a passagem de um trem cargueiro, que desaparece na curva, deixando para trás a fumaça cheirosa do carvão mineral e os apitos que ecoam nas encostas da serra.

Nos próximos dias não consegue mais pensar em outra coisa, sente-se obsidiado pela idéia, ansioso por chegar ao fim dessa misteriosa história.

E as mensagens se sucedem nos próximos três dias, completando a enigmática mensagem, que em rimas dizia:

” A tristeza toma conta de mim,

Nesses momentos de sofrida solidão.

Desde que daqui parti,

Sangrando está meu coração.

Por isso me aproximei de ti,

No silêncio desta nossa estação.

E contigo estarei sempre,

Creia, não se trata de sua imaginação.”

E a última mensagem esclarece:

“Quer saber quem sou eu? Veja o Livro de Ocorrências dos Telegrafistas, página 89, ano de 1894”

Surpreso e profundamente impressionado, o telegrafista observa que trata-se de um livro de 90 anos atrás.

Após uma demorada busca nos arquivos empoeirados da estação, finalmente encontra um velho e amarelado livro de capa dura desbotada. Abre o livro na página mencionada e trêmulo de emoção observa entre as anotações referentes às atividades do telegrafista do plantão da noite, disfarçada no cantinho da página, escrito à lápis, uma frase que estivera presente no seu pensamento durante todos aqueles dias:

“... a tristeza toma conta de mim, nesses momentos de sofrida solidão...”

Vira afoito a folha para ver a assinatura do telegrafista e com a vista embaralhada pelas grossas lágrimas que inundam seus olhos, desvenda, enfim todo aquele mistério...

Assina o relatório, o telegrafista José Francisco, seu falecido avô.

O expresso da desilusão

O cheiro de relva molhada invade o interior do noturno naquela madrugada de sábado, misturando-se com o odor da fumaça pardacente, expulsa velozmente pela chaminé da “ Consolidation” que busca ruidosamente o sul de Minas pela R. M. V.

O rapazinho imberbe, com o olhar perdido no horizonte, cola o rosto no vidro frio da janela, onde gotas do orvalho da madrugada se deslizam, uma após outra, brincando na superfície escorregadia da vidraça.

E o trem, sacolejando na escuridão da madrugada, prossegue sua viagem, fazendo ecoar por entre os cortes, um apito triste e angustiante, oprimindo ainda mais o seu peito.

A luz amarelada e oscilante do interior do vagão dá um toque ainda mais sombrio à cena, no crepúsculo daquela madrugada fria.

Os passageiros, adormecidos, ignoram o drama a se desenrolar ali ao lado e o jovem, olhos fixos na janela, vê seu rosto espelhado no vidro e duas lágrimas a rolarem, imitando as gotas de orvalho do lado de fora da janela.

O som cadenciado do vapor agora é mais lento e no trecho mais íngreme da serra o comboio quase chega a parar, exigindo do foguista um esforço extremado para manter a caldeira da Baldwin, com a pressão necessária para superar aquele difícil trecho da Serra da Mantiqueira.

E o jovem rapaz ali, inerte, mudo, olhar perdido no horizonte, apenas enxuga o rosto, passa as mãos nos cabelos despenteados, soltando às vezes um suspiro ou um soluço, quando grossas lágrimas insistem em banhar seu rosto.

Minas Gerais, cidade de Maria da Fé, é o seu destino !

É ali que ele busca aquela que encantara seus dias, tornando-os os mais venturosos de sua vida !

Na pequena e aconchegante Maria da Fé está a sua esperança de reencontrar o grande amor da sua vida, a doce e adorável musa que o fez enxergar a vida com outros olhos, alimentando suas fantasias e trazendo uma indescritível sensação de felicidade que transbordava de seu peito e chegava até mesmo a contagiar aquelas pessoas com as quais convivia.

E naquele trem, naquela madrugada, buscava ele novamente uma razão para viver. Desde que se despedira dela na estação de Cruzeiro, não mais encontrara a paz, e a a felicidade o abandonara tornando sua vida triste e acinzentada. Há meses vinha adiando esta decisão, mas agora estava decidido, iria a seu encontro à qualquer custo !

Porém, seu coração estava oprimido, sua garganta apertada e seus olhos vermelhos, diante da expectativa de uma possível desilusão.

Estava inseguro, amedrontado nervoso...

Tinha medo do que iria encontrar; afinal há tempos suas cartas deixaram de ser respondidas...

Relembra os momentos em que passaram juntos...

Os beijos apaixonados sob o céu salpicado de estrelas, na “ praça nova “ da bela e graciosa Cruzeiro.

As juras de amor eterno e os planos para um futuro “ninho de amor”, enquanto ouviam o “Grupo Abba” na pequena vitrola à pilha.

As carícias, os sussurros, os sonhos de amor e os planos de uma união que jamais aconteceu...

Sente ainda o sabor dos seus lábios mornos e o perfume dos seus cabelos esvoaçantes naquele último beijo na plataforma da estação de Cruzeiro...

Quer gritar para o mundo o quanto a ama, quer dizer para todos o quanto sofre, quer escrever o seu nome no vidro embaçado da janela, mas nada faz; apenas chora, e seus olhos, cansados acabam se fechando e ele adormece embalado pelo balanço do expresso noturno que avança sem cessar.

O cansaço acaba tomando conta do seu corpo e agora ele dorme... E sonha com ela a correr de mãos dadas com ele sobre um gramado verde e macio...

E a vê sorrindo, chamando seu nome com aquele rosto trigueiro que tanto o encantou...

Ele corre e a abraça, beijando-a com avidez, acariciando seus cabelos, seu corpo, beijando seu rosto, seus olhos, sua boca...

Eis que de súbito é acordado pelo Chefe do Trem que o avisa estarem se aproximando da próxima estação: Maria da Fé !

Acorda assustado, ainda perdido entre o lindo sonho e a dura realidade. Recusa-se a acreditar que tudo aquilo não passara de um devaneio, quer fechar os olhos para sonhar mais, mas não pode...

Desolado pega sua bagagem, desce aturdido na pequena estação e observa o trem partindo com apitos estridentes que se perdem na curva e ficam cada vez mais distantes.

Relutante dirige-se a uma pequena pousada nas adjacências da estação, deixa ali uma pequena bolsa com seus poucos pertences e sai imediatamente à procura dela.

Tem às mãos uma carta ( a última que recebera ) e seguindo o endereço do remetente procura o endereço, encontrando-o facilmente a algumas quadras dali.

Nervoso, com o coração a palpitar e a respiração ofegante bate palmas e depois de algumas tentativas, eis que sai uma senhora para atendê-lo.

Sua ansiedade é grande, aperta o envelope entre os dedos e gaguejando cita o nome dela, perguntando se é ali mesmo o endereço.

Recebe a resposta como uma punhalada em seu coração; o endereço era aquele sim, mas ela havia se mudado já há algum tempo, por ocasião do seu casamento.

A notícia deixa-o desnorteado, quer morrer, gritar, correr, chorar e acaba afogando suas mágoas no balcão de um pequeno e malcheiroso botequim dali de perto.

Daquele dia em diante nunca mais foi o mesmo. Naquela noite dormiu na praça, na noite seguinte sob uma árvore, e na seguinte sob um viaduto.

Comia quando e o que lhe davam e vivia embriagado junto aos “andantes” que mendigavam pelas ruas da cidade, seus pertences nunca mais foram procurados na pousada onde os deixara...

Nos seus raros momentos de lucidez, contava sua história com detalhes que fazia pena aos seus ouvintes.

E nas frias manhãs de Maria da Fé, aquele maltrapilho homem, vestido em farrapos, passava a fazer parte de um triste cenário no pátio da estação. Ali estava ele todas as manhãs, à espera do expresso noturno, na expectativa de que ela um dia retornasse aos seus braços.

Despedida na estação

O rapazinho imberbe, beirando seus 15 anos aproxima-se da estação.

De mãos dadas com uma bonita jovenzinha, talvez da mesma idade, caminham em direção à plataforma, do lado da R.M.V. ( Rede Mineira de Viação ), onde já se encontra estacionado o trem de passageiros que em breve sairá rumo ao sul de Minas.

O rapaz olha nervoso o relógio, por diversas vezes. Observa com tristeza o trem ali parado e olha para o rosto de sua namorada com um sorriso amarelado no rosto a estampar toda a amargura que invade seu coração.

Sobem a plataforma, sentam-se no banco de madeira e abraçados começam a conversar...

O jovem enamorado, inconformado com a partida de sua amada, começa a acariciar aqueles negros cabelos como se adivinhando ser aquela a última vez que teria oportunidade de fazê-lo.

Tateia o rosto de sua musa encarando-a profundamente e beija aqueles lábios que tantas vezes beijou, mas desta vez sente que há alguma coisa diferente, não sabe explicar o que...

Encosta o rosto no ombro dela e chora lágrimas de sangue, que partem de um coração dilacerado pela dor da partida; não se conforma com o fato de não poder vê-la mais diariamente, como o fez nos últimos meses...

Segura suas mãos, os olhos avermelhados denunciam sua dor, ofegante e entre soluços tenta balbuciar algumas palavras que não conseguem sair da garganta...

Ela observa a tudo passiva, ameaça algumas lágrimas também, mas é mais forte (ou sofre menos que ele !? ), tenta animá-lo, incentivá-lo a prosseguir, - “afinal a vida continuará não obstante sua ausência...”

Sua tentativa é em vão; ele continua a chorar e agora, desesperado, abraça-a mais apertado, num forte e comovido amplexo do qual não quer nunca mais se separar...

E os minutos se passam rápido, para seu desespero ainda maior !!

Agora já não tem mais lágrimas...

Apenas soluça com a garganta seca e o olhar amargurado.

A possante G-12 da GM se aproxima e engata-se no comboio dando amostras de que o momento da partida se aproxima.

Ela olha o relógio, olha para ele, sinaliza com os olhos que irá embarcar, levanta-se e ele segura suas mãos como a impedi-la; mas acaba se levantando também e caminha para a o vagão de madeira, subindo os degraus junto com ela e deixando-a sentada num dos bancos junto à janela.

Sai do vagão e do lado de fora continua a segurar aquelas pequenas mãos que agora estão trêmulas e suadas.

Conversam em silêncio ! Apenas os olhos que se fitam profundamente, mantém um diálogo mudo e misterioso que só aqueles que se amam consegue lográ-lo.

O chefe do trem sinaliza gesticulando e chamando os passageiros ao embarque; está na hora do expresso sair...

O chefe da estação sinaliza com um apito avisando da liberação e a G-12 acelera seus motores com um ronco ensurdecedor. Calmamente, alheia a tudo e a todos, começa a arrastar o comboio que suavemente desliza sobre os trilhos da bitola métrica, rumo às alterosas.

O casal continua de mãos dadas... O jovem rapaz , agora a correr sobre a plataforma, insiste em segurar as mãos da garota que se levanta e põe parte do corpo para fora da janela. Ambos choram e ele grita de emoção e dor ao vê-la partir sem nada poder fazer...

Acaba-se a plataforma. Ele solta suas mãos entre soluços e observa que ela joga algo pela janela .

O trem afasta-se gradativamente e ao longe ele ainda consegue ver uma pequena mão a acenar, até que o trem desaparece por completo, e agora somente se ouve o ruído da locomotiva que se afasta mais e mais...

Desolado, o rapaz caminha pelos trilhos e encontra sobre as pedras um pequeno embrulho. Apanha-o e encontra um chiclete de hortelã, e escrito em caneta, sobre o papel que o envolve as doces palavras: - Eu te amo !! Eu volto ...

Aquilo o faz chorar ainda mais...

Senta-se na plataforma, esconde o rosto entre os joelhos. Está sem forças, a cabeça dói, o peito arfante se contrai causando-lhe náuseas. Sente-se doente...

Não tem mais vontade de viver...

A vida perdeu o sentido desde que ela se fora naquele trem....

Mas não sabia ele que a vida lhe pregara uma peça !

Ainda iria sofrer muito com aquela perda !

Aquilo era apenas o começo de um sofrimento que o torturaria por muito tempo roubando-lhe noites de sono, dias de ventura e sua vontade de viver...

Guardou aquele chiclete por mais de dez anos...

E nunca mais a viu !!!

Enfim.........meu blog.....

Bom...
Enfim encontrei um lugar para expor meus pensamentos, sentimentos, impressões...
Um lugar onde minhas crônicas, prosas, poemas e artigos passarão a "morar" e estarão disponíveis para aqueles que desejarem conhecer um pouco mais o "Viajante Transcendental".
Sejam bem vindos todos aqueles que desejaram embarcar comigo nessa viagem insólita.

Comentário, críticas e sugestões sempre serão vindas....fiquem à vontade....

Embarquem comigo neste trem..... e boa viagem!!!