quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

ITATIAIA, QUE SAUDADE DE VOCÊ

Itatiaia, deixe-me chorar de saudades no pátio da estação, sentado nos frios e úmidos dormentes de suas coloridas manhãs de inverno...
Itatiaia, permita-me somar minhas nostálgicas lágrimas às límpidas águas do Rio Bonito, refletindo o sol da manhã nas coloridas pedras que enfeitam o fundo do seu leito.
Itatiaia, quero colorir minha roupa de vermelho, caminhando sobre o capim gordura florido.
Quero de novo ficar horas observando os pequenos guarús nadando no córrego sob a linha da Central.
Quero respirar a brisa perfumada da manhã, com cheiro de mato e sabor de vida...
Quero comer ingá mirim trepado no galho envergado sobre o rio.
Quero nadar sem roupas nas vazantes escondidas por entre as árvores abundantes, com seus galhos forrados de parasitas.
Itatiaia, quero correr de mãos dadas com minha meiga namorada, quero comer amora no pé e sentir o gosto inesquecível do jamelão, ao som da música “ Meu xodó “, de Gilberto Gil...
Itatiaia, quero sentar-me em volta da fogueira e contar histórias de assombração comendo pipocas ao luar.
Itatiaia, quero sentir o cheiro dos trens de passageiros e ouvir o som do motor das Canadenses, das Biribas...
Itatiaia, quero jogar bola no pasto e correr dos bois bravos, escondendo-me entre os pés de bastão.
Quero desbravar o monte de entulho atrás da oficina, a procura das pequenas passagens de cartão duro, desprezadas pelos agentes de estação...
E na estação...quero me sentar no banco a espera do Expresso lotado de curiosos passageiros...
E acenar para a morena trigueira do último banco, com seu sorriso largo e cabelos esvoaçantes.
Quero acordar de madrugada só para ver o noturno passar, com seu painel luminoso da R.F.F.S.A. iluminando a cauda do trem.
Quero “ pegar rabada “ nos cargueiros desviados na porta de casa e levar água para os maquinistas na caneca improvisada feita de lata de leite condensado...
Itatiaia, que saudades ....
Impossível lembrar-me de você sem marejar os olhos...
Itatiaia dos meus doces dias de infância,
QUE SAUDADES DE VOCÊ !!!

A BENÇÃO SR. MÁRIO, A BENÇÃO DONA JUDITH!!!

A benção D. Judith
Pequena na estatura física, mas gigantesca de coração !
Me lembro do vestido azul sempre com o avental na cintura....
Os gestos “rapidinhos”, a voz aguda...
O sorriso desenhado nos lábios...
D. Judith era para nós um anjo encarnado, que Deus, na sua infinita bondade, colocou pertinho da nossa casa.
Mas era também muito brava......
Quando colocava as mãos na cintura e chamava “João Carlos, Mário Sérgio !!!”, a gente logo tremia....
Mas a braveza durava muito pouco tempo, pois logo estava ela a nos chamar para tomar café, ou almoçar, ou jantar...enfim, era impossível ficar na cada da D. Judith sem comer.
E ela, com aquele carinho, com aquele amor de mãe, nos “adotou” de tal forma que ficávamos mais na casa dela que na nossa (não sei com ela nos agüentava !).
Eu e meu irmão Paulinho éramos amigos inseparáveis do João e do Sérgio.
Jogávamos bola, brincávamos de “Polícia e Ladrão” e bolinhas de gude...
Rolávamos na grama e jogávamos futebol até escurecer.....
Lindas recordações........Saudosas recordações......
E delas todas, é impossível esquecer quando, num determinado Natal, o João e o Sérgio ganharam duas lindas metralhadoras de brinquedo.
Azuis, imitando as armas utilizadas pelos gângsters americanos, elas faziam um barulho muito forte e soltavam faíscas por cima da culatra.....de casa a gente ouvia o Serginho e o João se divertindo com o brinquedo novo no terreiro...
Corremos lá eu e o Paulinho....
Queríamos também mostrar nossos brinquedos, porém, nossa maior ansiedade era colocar a mão naquela “maravilha azulada que soltava faíscas e fazia barulho igualzinho às metralhadoras de verdade”.
Chegamos lá.....e ficamos enfeitiçados pelo brinquedo.....absolutamente encantados!!
Foi quando o Sr. Mário, com seu jeito todo bonachão nos chamou....
A D. Judith estava perto....sorridente..... e nos abraçou...
E o Sr. Mário me entregou um pacote com um bonito embrulho de presente, de cor esverdeada e brilhante, enquanto a D. Judith entregava um pacote igualzinho para o Paulinho.
Abrimos o pacote e dentro dele estava uma metralhadora de brinquedo....
Uma metralhadora que fazia barulho igualzinho às de verdade e soltava faíscas pela culatra....
Não contive minha emoção, corri para trás da casa e chorei convulsivamente, aos soluços...depois fui correndo para casa para mostrar o presente para meus pais...
Naquele dia brincamos no pátio até o anoitecer ....só voltamos para casa quando nos chamaram.....e dormi abraçado com a metralhadora durante várias semanas....
Lindas recordações da minha infância...
Que se tornaram ainda mais lindas porque tivemos o privilégio abençoado de ter dois pais e duas mães.....
Os pais biológicos e o Sr. Mário e a D. Judith.
Que Deus, na sua infinita bondade, os tenha bem por perto, porque certamente existirão por lá, crianças que como nós, se deleitarão mergulhados no amor infinito, cujo perfume certamente continua exalando daqueles corações tão abençoados.
Sr. Mário........D. Judith.......a bênção!

SAUDADES DE CRUZEIRO

Me chamam de saudosista, mas como não me lembrar das manhãs orvalhadas em que os trilhos da ferrovia amanheciam molhados de frias gotas a cintilarem a brilhante luz do sol nascente ?
Rotulam-me de nostálgico, porém, como me esquecer daqueles tempos áureos em que a juventude se manifestava com toda sua vitalidade, embalando-me em sonhos e devaneios à cerca do futuro ?
Quantas vezes, sentado às margens da linha, nas minhas divagações, não me vi envergando o garboso uniforme verde-oliva com pelo menos 3 divisas ( queria ser Sargento do Exército !! ) ?
E quando a Canadense apontava no horizonte com sua buzina rouca e grave e o farol aceso, arrastando o especial militar com carros de combate sobre as pranchas, e no final do comboio, uma classe repleta de soldados ...?!
Debruçado sobre a janela do quarto, nas noites cruzeirenses enluaradas, observava ao longe a classe de passageiros no final do cargueiro desviado na linha-2, era o Trem Leiteiro, aguardando intervalo para seguir sua longa e demorada viagem rumo a capital. A luz fraca e amarelada no interior da classe de madeira, me transportava para um universo de imaginações que me fazia viajar...
O embarcadouro onde se fazia o baldeio do gado da bitola estreita para a larga e vice-versa, o Posto de Desinfecção de Veículos com seu gostoso cheiro do cal que branqueava toda a vegetação ao lado da linha do viradouro da SR-2.
Como esquecer do Sr. Mário Lamas, do Sr. João de Barros, do Sr. Justino, do Osvaldo, do Merlin ??? ( todos funcionários do Ministério da Agricultura, que trabalhavam no Posto de Desinfecção ).
E dos meus inseparavéis amigos João e Serginho, nossos inseparáveis companheiros de aventura no pátio do posto, no goiabal... das nossas partidas noturnas de futebol ???
Chego a me perguntar porque o tempo implacável nos impõe tantas mudanças, e me questiono sobre a real validade de alterações tão radicais no curso da história ( teriam elas se revertido em benefícios reais para nós ??? ).
Tempos em que a ferrovia brilhava como um meio de transporte eficaz e seguro, com suas ramificações se estendendo por todo o território nacional.
A linda e majestosa estação de Cruzeiro, construída no fim do século passado, se via repleta de passageiros que ora chegavam, ora partiam. O entroncamento ferroviário Rio-São Paulo-Minas fazia com que fosse grande o movimento e ali era um dos principais pontos de encontro dos jovens.
Quando romances não nasceram naquela plataforma ???
Quantas chegadas e partidas ???
Quantas lágrimas e sorrisos ???
Quantos sonhos de amor não se desfizeram naquela plataforma, embalados pelos silvos estridentes de uma locomotiva a vapor, que ruidosamente atravessava a cidade rumo às escarpas da Serra da Mantiqueira ???
De um lado a Canadense com a “batida” toda característica de seu motor ALCO, com aquela luzinha amarelada da cabina, esperando a liberação para arrancar com o Expressinho pela madrugada adentro, rumo ao Rio de Janeiro.
Do outro lado da estação, a G-12 de bitola métrica aguardava silenciosamente o momento de partir para Minas, com seu ronco ensurdecedor que fazia tremer as paredes das casas às margens da linha...
Vendedores de salgados ofereciam uma variedade de opções e disputavam espaço com suas bandejas e cestinhas de taquara junto às janelas. No meio deles, estava eu, um jovem e sonhador vendedor de pastéis, kibes e balangandans ( risoles ), que com minha bandeja arredondada tentava persuadir os passageiros a adquirir os meus salgados ao invés dos do concorrentes.
Saudades de um tempo que não mais voltará...
Saudades de uma época em que as dificuldades financeiras eram grandes e a luta pela sobrevivência exigia muitos sacrifícios de toda nossa família, porém isso não conseguia afetar o nosso gosto pela vida e a nossa alegria de viver. Éramos muito felizes !!!
Saudades de uma vida mais tranqüila, mais amena, sem ansiedades...
Dos tempos em que as coisas aconteciam mais com mais vagar, as pessoas respiravam mais pausadamente e andavam ao invés de correr .
Tempos em que os jovens freqüentavam as pracinhas da cidade nos finais de semana, para o tão tradicional “footing” .
Se sou saudosista, não sei, só sei que vivi intensamente esses momentos e faço questão de mantê-los acesos na minha mente, se bem que às vezes entristeço-me com a realidade do hoje.
Nostálgico, talvez seja, mas a cada vez que fecho meus olhos ouço a buzina da Canadense, da Biriba, da G-12...
Se me concentro um pouco, ouço os apitos melodiosos das Maria-Fumaças, quando viravam o trem de passageiros em frente a minha casa.
E me surpreendo sentindo os cheiros que sentia: cheiro de orvalho no capim-gordura; cheiro de ferro aquecido das caldeiras das máquinas a vapor; jamais me esquecerei do cheiro todo característico do interior das classes do Trem de Aço ( o D.P. )
E de recordação em recordação, viajo no tempo, retornando àquelas situações que somente se encontram vivas no meu pensamento, pois nunca mais se repetirão.
Mas estarão eternamente vivas, permanecerão presentes em minha mente por toda uma eternidade. Mesmo que este corpo se vá, meu espírito, que é a sede da minha individualidade, registrará estes momentos felizes de minha vida, que jamais se apagarão, jamais serão extinguidos.

MOÇA TOMANDO CAFÉ (Cassiano Ricardo)

Num salão de Paris
A linda moça de olhar gris
Toma café.
Moça feliz!

Mas a moça não sabe, por quem é,
Que há um mar azul, antes da sua xícara de café;
E que há um navio longo, antes do mar azul...
E que, antes do navio longo, há uma terra do sul;
E, antes da terra, um porto em contínuo vaivém,
Com guindastes roncando na boca do trem
E botando letreiros nas costas do mar...
E, antes do porto, há um trem madrugador;
Sobe-desce da serra, a gritar, sem parar,
Nas carretilhas que zunem de dor...
E, antes da serra, está o relógio da estação...
Tudo ofegante, como um coração
Que está sempre chegando, e palpitando assim...
E, antes dessa estação, se estende o cafezal.
E, antes do cafezal, está o homem, por fim,
Que derrubuou sozinha a floresta brutal,
O homem sujo de terra, o lavrador,
Que dorme rico, a plantação branca de lfor,
E acorda pobre, no outro dia (não faz mal...),
Com a geada negra, que queimou o cafezal.
A riqueza é a noiva (que fazer?),
Que promete, e que falta, sem querer...
Chega a vestir-se assim, enfeitada de flor,
Na noite branca, que é o seu véu nupcial;
Mas vem o sol, queima-lhe o véu,
E a conduz loucamente para o céu,
Arrancando-a das mãos do lavrador.

Quedê o sertão daqui?
Lavrador derrubou.

Quedê o lavrador?
Está plantando café.

Quedê o café?
Moça bebeu.

Mas a moça onde està?
Está em Paris.

Moça feliz!

O TELEGRAFISTA

Na pequena estação esquecida no alto da serra, reinava o silêncio e a solidão naquela abafada noite.
O ar parado, sequer as folhas das árvores se mexiam... Uma atmosfera misteriosa rondava o ambiente.
O manobreiro cochilava com a cabeça apoiada sobre a mesa, espantando com as mãos os pernilongos que insistiam em “cantar” nos seus ouvidos.
José Francisco Neto, o telegrafista, incomodado com a monotonia do ambiente, prefere sair e sentar-se sobre a plataforma vazia e escura. Enquanto isso observa as estrelas, na expectativa de que uma suave brisa venha lhe acariciar os cabelos...
De repente, o silêncio é quebrado pelas batidas da palheta do telégrafo e ”de ouvido” pega uma mensagem misteriosa: “... a solidão toma conta de mim...”
Corre para o manipulador e pergunta de onde vem a mensagem, quem está do outro lado?
Em resposta, o mais absoluto silêncio...
Ele retira o surrado relógio de algibeira de dentro do bolso, confere as horas e arrepiado constata: os ponteiros apontam para o infinito, era meia noite.
Calafrios percorrem sua espinha, ele olha para o companheiro que ronca debruçado sobre a mesa já sem se preocupar com os pernilongos, este nada presenciara!
O restante do turno corre tranqüilo e sem novidades, mas o impressionado telegrafista não se esquece da misteriosa mensagem captada naquela noite.
Não comenta nada com os amigos com medo de ser ridicularizado, mas ansioso, já fica pensando na próxima noite.
E ela chega mais rápido do que ele imagina... Repete-se a cena: a estação deserta, o silêncio, a atmosfera abafada, o manobreiro dormitando, debruçado sobre a mesa...
Desta vez ele não vai para a plataforma, fica “grudado” no telégrafo aguardando a “hora grande”.
E no momento exato em que os ponteiros se juntam e o relógio da estação começa a bater as dozes badaladas noturnas, uma nova mensagem começa a se desenhar nos pontos e traços da amarelada fita: “... nesses momentos de sofrida solidão...”
Mais uma vez calafrios violentos tomam conta do corpo telegrafista que passa as mãos sobre os cabelos ao sentir que estão arrepiados...
Com as mãos trêmulas e os olhos orvalhados de emoção, pergunta mais uma vez se aquilo é brincadeira de algum colega de outra estação, pergunta se algum outro telegrafista captara a mensagem.... De novo tem como resposta, o mais absoluto silêncio.
Corre para o banheiro, lava o rosto, se olha no espelho...
Toma uma caneca de café quente, sai no pátio e observa a passagem de um trem cargueiro, que desaparece na curva, deixando para trás a fumaça cheirosa do carvão mineral e os apitos que ecoam nas encostas da serra.
Nos próximos dias não consegue mais pensar em outra coisa, sente-se obsidiado pela idéia, ansioso por chegar ao fim dessa misteriosa história.
E as mensagens se sucedem nos próximos três dias, completando a enigmática mensagem, que em rimas dizia:
” A tristeza toma conta de mim,
Nesses momentos de sofrida solidão.
Desde que daqui parti,
Sangrando está meu coração.

Por isso me aproximei de ti,
No silêncio desta nossa estação.
E contigo estarei sempre,
Creia, não se trata de sua imaginação.”

E a última mensagem esclarece:
“Quer saber quem sou eu? Veja o Livro de Ocorrências dos Telegrafistas, página 89, ano de 1894”
Surpreso e profundamente impressionado, o telegrafista observa que trata-se de um livro de 90 anos atrás.
Após uma demorada busca nos arquivos empoeirados da estação, finalmente encontra um velho e amarelado livro de capa dura desbotada. Abre o livro na página mencionada e trêmulo de emoção observa entre as anotações referentes às atividades do telegrafista do plantão da noite, disfarçada no cantinho da página, escrito à lápis, uma frase que estivera presente no seu pensamento durante todos aqueles dias:
“... a tristeza toma conta de mim, nesses momentos de sofrida solidão...”
Vira afoito a folha para ver a assinatura do telegrafista e com a vista embaralhada pelas grossas lágrimas que inundam seus olhos, desvenda, enfim todo aquele mistério...

Assina o relatório, o telegrafista José Francisco, seu falecido avô.

DE NOVO A PARTIDA....NAQUELA PLATAFORMA

Não, não me peça para ficar....
Tanto você quanto eu sabemos que tudo tem que parar por aqui...
Não é mais possível vivermos de ilusões e tentando, cada um de nós, nos enganarmos...
Não, não me olhe desse jeito, enxugue essas lágrimas, tire os cabelos do rosto...
Não me faça sofrer mais do que o necessário, é grande minha dor.
Não, não se aproxime de mim desse jeito, afaste seu rosto do meu....
Minha boca, agora está amarga e o trem já encostou na plataforma....terei de ir.
Levarei comigo as recordações de nossa louca história de amor.
E tentarei esquecer estes momentos de tristeza e dor....
Não, não chore, senão desabarei em prantos aqui mesmo na plataforma..
Solte minha mão....
Pare de me olhar assim....

O trem vai partir.....preciso ir agora....
Fique com você apenas os bons momentos...
Nossos beijos longos e apaixonados no escurinho do cinema....
Nossos amassos atrás do coreto do jardim...
O sorvete que passávamos para a boca do outro, e derretido, escorria pela boca...
Fique com meus sorrisos, meus gritos de empolgação quando você chegava....
Fique com o botão que você arrancou da minha camisa...
Fique com aquele carretel de linha vazio que lhe dei de presente...
E com a bonequinha na caixa de fósforo.
Fique com o que fui!
Esqueça o que hoje sou.....

O trem começa a andar devagarinho.....
Não vou olhar para trás....
Não quero ver seu rosto triste...
Nem seu aceno...

Adeus......
Obrigado por você ter passado na esquina da minha vida....
Vou me lançar agora de olhos fechados, nos braços da solidão.
Quiçá seja você mais forte do que eu....

E se um dia o destino nos reservar novo encontro...
Que tudo seja diferente.........

Adeus