quarta-feira, 7 de maio de 2008

UM PAULISTA EM BH

Depois de quatro décadas morando no estado de São Paulo, vivo hoje na (bela) capital mineira. Felizmente a tecnologia nos garante a proximidade através da Internet, assim a gente não perde os laços com os amigos.

Na verdade, nunca me esqueço da minha querida Cruzeiro. Primeiro que meus pais e irmãos continuam morando aí, mas o fato de ter aqui um time de futebol com o mesmo nome da cidade, tem me rendido um bom IBOPE.

Acreditem se quiser, até a placa do meu carro (que continua sendo de Cruzeiro) já tentaram roubar como souvenir.

Nesse pouco tempo em Belo Horizonte pude perceber (agora bem de perto) algumas peculiaridades dos mineiros, que até merecem comentários:

Por exemplo: a cidade tem um quarto da população de São Paulo (capital) e também é bem menor, mas o trânsito aqui é muitas vezes pior do que o da capital paulista.

Se você leitor, pensa que é só em Cruzeiro que os motoristas dão seta para a direita e entram à esquerda, dão seta e não entram para lado nenhum, não dão seta e entram subitamente para esquerda ou direita, venham passear em BH e verá que aqui isso é absolutamente normal.

Outro fato interessante: imagine uma via expressa com três pistas, sem acostamento. Agora imagine que você está na pista da direita (próxima ao guard rail). Por ser uma via expressa, você está a 80 km/h (velocidade máxima). De repente, o carro que está na sua frente simplesmente pára na pista e abre a porta para que um passageiro atravesse para o outro lado. Assustou? Imagine eu, que não sabia deste “descalabro transital” (gostou da invenção) e quase entrei na traseira de um desses pseudomotoristas. Mas isso é normal em BH. Então vai uma recomendação quando estiver dirigindo aqui, jamais utilize a faixa da direita (a não ser, é claro, que tenha algum passageiro para desembarcar junto ao guard Raí...rsrsrsrsl).

Quer mais? Então vamos lá: Você está na pista da esquerda e precisa entrar na próxima esquina à direita. Se você der seta para a direita para sinalizar que precisa entrar, os motoristas pisam forte no acelerador para não deixarem você fazer isso, não adianta sinalizar com as mãos, esbravejar, eles correm e fecham você mesmo. A solução é olhar no retrovisor, e se der uma brecha entrar com tudo. A seta você dá quando já estiver na pista desejada. Vão buzinar (motorista mineiro adora buzinar, nunca vi!), você ouvirá com certeza algumas palavras não muito elogiosas à sua genitora, mas conseguirá finalmente entrar na esquina desejada.

E finalmente, não cometa o mesmo erro que eu. Se o seu carro tiver placa de Cruzeiro, DEFINITIVAMENTRE NÃO CIRCULE EM BELO HORIZONTE. Os cruzeirenses mais fanáticos (refiro-me aos torcedores do time) tentarão se apossar da placa do seu carro como souvenir.

E se começar a receber (de graça), fechadas, buzinadas, sinais de farol, e gestos indecorosos com um dos dedos das mãos apontado verticalmente para você, esteja certo, possivelmente ali estará ali um atleticano de olho na sua placa e associando imediatamente o nome da cidade com o time adversário.

O antídoto para esses casos é colocar no vidro traseiro do carro, um adesivo do Atlético e outro do Cruzeiro, costuma funcionar, na pior das hipóteses uma faixa enorme escrito:

POR FAVOR, DETESTO FUTEBOL!!! CRUZEIRO É SÓ O NOME DA CIDADE!!!

segunda-feira, 31 de março de 2008

O TREM DE AÇO

A Biriba se aproxima da estação com sua buzina rouca e seu porte altivo, enchendo a estação com o bafo quente do seu possante motor, que ronca forte, porém sem agredir os ouvidos.

O Trem de Aço ( D.P. ), se alinha na plataforma para receber os passageiros que lotam a estação com suas bolsas, malas, pacotes e crianças, muitas crianças.

Entre eles está um garotinho que aparenta 8 anos de idade, este observa excitado a movimentação de todos aqueles alegres passageiros embarcando no luzidio trem prateado com seus confortáveis assentos azuis.

Seu coração bate acelerado ( quase a sair pela boca ! ). Sua ansiedade é grande; quer embarcar logo e sua maior expectativa está em sentir o “ cheiro do trem “ e ver de perto, mais uma vez, o quadro fixado na cabeceira daquele luxuoso carro de passageiros da Central do Brasil. Ali encontra-se gravado em alto relevo, dois grandes peixes de olhos brilhantes barbatanas avantajadas.

E o garoto pisa afoito nos degraus retráteis, cujos desenhos também lhe chamam a atenção; sobe puxando o pai pelas mãos, apressado e ansioso, pois o grande momento, esperado há mais de um ano, se aproxima.

Quando o chefe do trem abre a porta, o garotinho emocionado não consegue conter suas lágrimas e leva a mão nos olhos, disfarçando, ao mesmo tempo que respira fundo, na tentativa de inspirar a maior quantidade possível daquele “ cheiro de trem de aço “. Quer encher os pulmões e se extasiar com aquele perfume, naquele momento tão almejado, pois isso acontecia somente uma vez por ano, quando o pai, ferroviário, obtinha um passe livre para viajar naquele trem.

E fica , mais uma vez, extasiado com tudo o que vê.

O interior do carro é um primor em limpeza e organização.

As poltronas, de um deslumbrante tom azul, são as mais confortáveis que já viu em toda sua vida.

E o cheiro ? Ah !, o inebriante e inconfundível perfume do Trem de Aço jamais lhe sairia da mente pelo resto de sua vida, de tão agradável e misterioso que era.

O pai agora já lhe soltara as mãos e ele caminha sozinho até o primeiro assento, ali, junto do seu tão desejado peixe de olhos brilhantes.

E quando olha novamente para aqueles misteriosos e apaixonantes peixes prateados, após um ano todo de expectativa, não mais consegue dissimular sua emoção e desaba num choro convulsivo, procurando o colo da mãe em busca de alento.

A mãe, sem entender o que se passara, procura silenciá-lo, pois os passageiros já começam a observar curiosos aquele cena. Oferece-lhe o assento próximo a janela, mostra a plataforma cheia de gente, disfarça fechando um dos botões de sua camisa e pouco depois o garoto silencia, olhando desconfiado para os lados, disfarçando os olhos lacrimejados.

Agora, emoções contidas, começa a contar os minutos que antecedem aquela viagem.

E olha pela janela toda a movimentação na plataforma da estação, que vai cessando, na medida em que todos embarcam.

Agora só vê o chefe de trem com seu impecável uniforme azul, este sinaliza para a estação, que bate um sonoro sino. Logo depois se ouve um apito, a buzina rouca da Biriba..., mais um apito !

Após uma longa buzinada da máquina, já se ouve o ronco do motor da FA-1 ( a locomotiva modelo FA-1, fabricada pela empresa americana ALCO e apelidada , no Brasil, de “ Biriba “).

O trem se põe em movimento, devagar, e entre acenos os passageiros se distanciam cada vez mais da estação de Cruzeiro, que vai ficando para trás naquela agradável tarde de outono.

Novas emoções no decorrer da viagem, esperam por aquele garoto alegre e sonhador. O chefe do trem logo aparece com seu picotador de passagens e brinca com ele, logo surgem as guloseimas que são oferecidas pelos vendedores do trem, tudo é festa !

As paisagens agora passam rápidas; campos, rios, gados, pontes, túneis, estações, crianças acenando nas janelas...

E a Biriba com sua buzina rouca pode ser avistada soltando negra fumaça, quando faz curvas para a esquerda, lado onde se senta o menino com sua família.

Os postes da ferrovia passam correndo, os fios ora se abaixam, ora se levantam, quando da passagem dos mesmos e o trem avança, com destino a Itatiaia, estação de destino para aquela família .

O garoto não perde uma cena sequer e com o rosto colado na vidraça, registra como se fosse uma câmera, todos as cenas e imagens ao longo do percurso, ora sorrindo, ora acenando, ora sério e absorto nos seus pensamentos.

Em dado momento, percebendo que a sua estação de desembarque se aproxima, pede ao pai que o levante, para que possa ver mais de perto os seus peixes de olhos brilhantes. O pai assim o faz e ele acaricia cada detalhe daquela escultura, conversando silenciosamente com seus amigos prateados, guardiões daquele trem , na sua maneira de ver.

Quer beijar o peixe maior, de grandes barbatanas, mas o pai o repreende dizendo-lhe que aquilo está sujo ( não entende como uma peixe tão brilhante pode estar sujo !!! ).

Aquele viaduto com um grande tubo passando sobre a linha é a indicação que chegaram à estação em Itatiaia, e logo teriam de descer.

Entristecido olha pela última vez cada detalhe à sua volta, conversa em silêncio mais uma vez com os peixes guardiões, respira profundamente tentando guardar o cheiro do trem nos pulmões e eis que o trem pára.

Começa a caminhar lentamente pelo corredor, em direção às escadas, gosto amargo na boca, um aperto no peito e de novo aquela vontade incontrolável de chorar...

Desce do trem entristecido, mas eis que vê na estação o seu adorado tio Ismael que com um largo sorriso corre em sua direção e o envolve com um apertado abraço. Mal percebe quando o trem se afasta, pois agora sua atenção está voltada para as pescarias, banhos no rio Bonito, guerrinha de mamonas com a molecada e muita agitação durante aquelas duas semanas de férias que passará em Itatiaia na casa dos tios.

Todos os dias, porém, quando se aproxima o horário da passagem do D.P., lá vai ele para a estação tentando respirar aquele misterioso “ cheiro de Trem de Aço“ e lançar ao menos um olhar para seus amigos prateados.



O GUARDA-FREIOS (O ANJO DA GUARDA)


O pioneirismo da ferrovia registra passagens de personagens anônimos, alguns destes, verdadeiros heróis.

Pessoas humildes, que não obstante sua simplicidade, deixaram exemplos sublimes de amor e dedicação às suas lides profissionais, transformando-as em verdadeiro sacerdócio. O grau de envolvimento, chegava a ser tão forte que muitas das vezes extrapolava seu aspecto puramente profissional e o ferroviário defendia a instituição com ardor, orgulhando-se dela o e dedicando-se de corpo e alma a sua profissão, que era a razão maior de sua existência.

Não raro, o rude trabalho o expunha a riscos iminentes e exaustivos sacrifícios, mas isso não lhe causava desalento. Quando o pesado comboio passava com a batida cadenciada das rodas nas emendas dos trilhos e o som todo característico do vapor sendo expulso pelas escuras chaminés, o dedicado ferroviário sorria envaidecido, sentindo um calafrio a percorrer seu corpo. Ele fazia parte daquele espetáculo, e se sentia orgulhoso disso !

Dentre a extensa lista de funções existentes na ferrovia, é consenso que a mais perigosa dela era a de Guarda-Freios.

A locomotiva a vapor, antes da extraodinária invenção de George Westinghouse - que dotou as composições ferroviárias do sistema de frenagem pneumático até hoje utilizados - funcionava com um limitado sistema de freio a vácuo, que deixava muito a desejar, sobretudo em regiões de declive acentuado.

Objetivando reforçar a frenagem do trem na descida da serra, o Guarda-Freios subia no teto dos vagões e utilizando um volante ali existente, freava manualmente cada um deles.

Com o trem em movimento, o Guarda-Freios era obrigado a saltar de um vagão para o outro para apertar os volantes, tarefa que envolvia um altíssimo risco, e exigia uma habilidade sem precedentes deste corajoso ferroviário.

Além do risco de desequilibrar-se com o balanço do trem, ou de escorregar no teto molhado pela chuva, ou mesmo de tropeçar nos antiquados passadiços de madeira existentes, existia uma ameaça maior, os túneis. Devido a reduzida altura das locomotivas a vapor, os túneis eram também muito baixos. O Guarda-Freios, concentrado na sua tarefa, muitas das vezes descuidava-se deles e era colhido de surpresa. Acidentes aconteciam com frequência e quando não causavam a morte, sempre ocasionavam sérios ferimentos às suas vítimas.

O maquinista comunicava-se com o Guarda-Freios utilizando-se do apito. Assim, através de um código pré-estabelecido, os freios eram apertados ou afrouxados ao longo do trecho em que era necessária a utilização do freio manual. Ao longo da viagem o Guarda-Freios tinha de subir e descer dos vagões, apertando e desapertando os volantes manuais quantas vezes fossem necessárias.

E neste trabalho árduo, exaustivo e extremamente perigoso, colocavam sua própria vida em risco para garantir que o trem chegasse a seu destino com segurança.

Heróis anônimos da nossa história ferroviária, avançavam por onde quer que houvessem trilhos, enfrentando ora o frio, a umidade e os ventos gelados da serra, ora o calor extenuante que encharcava a camisa e tornava o ar pesado, quase irrespirável.

A estes valorosos profissionais, que com sua garra e coragem, muitas das vezes tombaram no cumprimento do dever, registramos nossa singela homenagem.

As estradas de ferro de todo o mundo devem a esses heróis anônimos, o tributo de serem o são hoje.

O ARMAZÉM DA AGEF DE CRUZEIRO

“Baby, se você me quisesse, como eu te quero, e ficasse comigo !

Baby, meu amor é tão grande, numa vida não cabe, é tão grande meu amor...”

E a pequena vitrola “Teleotto”, cuja tampa vermelha é a própria caixa acústica, toca o antigo disco arranhado, onde o Grupo “ The Fevers ” canta uma sentida canção de amor.

É sábado, uma tarde de primavera, e enquanto a “sonatinha” roda o LP, já quase desafinando em função da rotação alterada (as pilhas já se encontravam fracas), o jovem conferente de apenas 14 anos de idade acompanha a descarga dos vagões lotados de arroz, no armazém da AGEF, em Cruzeiro.

Corre o ano de 1975 e a CFP ( Comissão de Financiamento da Produção do Banco do Brasil ) adquirira toda a safra do estado do Mato Grosso. Cerca de 300.000 sacas de arroz seriam trazidas via ferroviária até Cruzeiro, para o armazém da Rede Federal de Armazéns Gerais Ferroviários, subsidiária da R.F.F.S.A.

E a locomotiva RS-3, a conhecida Canadense entrava e saia das diversas plataformas, ora trazendo os vagões cheios, ora retirando os vazios. Com o “ bagalan-bagalan-bagalan” cadenciado e todo peculiar do seu motor Alco, a buzina rouca, e o bonito vermelho-cereja, esta era o grande atrativo daquele armazém.

O jovem rapaz, às voltas com conhecimentos de carga, romaneios de pesagem e retirada, pedidos de depósito, notas fiscais de entrada e saída e a conferência da sacaria que descia dos vagões, largava tudo quando ouvia a locomotiva. Dela se aproximava, entrava na cabine, participava da manobra, depois descia e voltava para sua velha Underwood, para emissão dos documentos.

Enquanto isso a vitrolinha tocava. Agora o Grupo ABBA cantava a música “Fernando”, e esta lhe maltratava o coração, chegava a lhe arrancar lágrimas dos olhos ( só ele sabia o porquê ).

E assim se passavam os dias, as semanas, os meses e os anos. E ele vibrava com cada uma de suas funções, tinha orgulho de trabalhar ali, gostava do cheiro do arroz em casca, do movimento dos saqueiros, de contar os blocos de arroz empilhados ( lastro x altura = quantidade de sacos ).

Mas o que mais o deixava feliz e orgulhoso era saber que com apenas 14 anos, já executava tarefas tão importantes como escrever no Livro de Registro de Entradas, utilizando a caneta tinteiro ( só ele e o Agente de Armazém é que tinham autorização para usar a Scheaffer ).

Vez ou outra era necessário buscar as Notas Fiscais e os Conhecimentos Ferroviários de Carga com o Chefe da Estação da Central, e a carona na locomotiva era inevitável. Nesses momentos o jovem adolescente era todo criança e acenando para os transeuntes, buzinava a máquina enquanto transbordava de felicidade. Sua emoção era tanta que freqüentemente os risos acabavam se misturando com choro, que ele constrangido, tentava esconder do maquinista.

Já na estação era recebido pelo Sr. Oswaldo Silva, que com seu impecável terno azul marinho, seu tipo esguio, e sua voz grave, carimbava toda a documentação e assinava-as, colocando-as a seguir, num envelope de cor parda, cujas bordas eram coladas com goma arábica.

Não muito raro conseguia uma carona de volta, na manobreira da bitola métrica da R.M.V. e descia próximo à rotunda, caminhando apenas alguns metros até o armazém.

A AGEF era sua segunda morada. Aliás, ficava mais tempo ali do que em sua própria casa e não foram poucas as noites em que ali permanecera, cobrindo voluntariamente as folgas do vigia.

AGEF de tantas histórias, de tantas memórias, de tantas saudades...

E a pensar que hoje ali está boa parte do material ferroviário destinado a eletrificação da Ferrovia do Aço, que jamais foram utilizados.

Milhões de dólares transformados na “sucata mais rica do mundo”, registrando a insensatez daqueles que estiveram ( e ainda estão ? ) à frente do governo desta nação. Aqueles cuja inconseqüência e irresponsabilidade no trato com o dinheiro público sempre foi e infelizmente continua sendo marca registrada.

terça-feira, 25 de março de 2008

DO V.T. PARA A MOÇA DO GUICHÊ DA ESTAÇÃO DE TREM

Vou colocar sua foto na parede do meu quarto,

Assim dormirei olhando nos seus olhos, e quando os meus se abrirem, na manhã seguinte, a primeira coisa que enxergarão, será você.

Vou mandar bordar na minha toalha de banho, com letras bem graúdas, as suas iniciais

Assim, quando estiver molhado debaixo do chuveiro, imaginarei que ao me secar com ela, estarei sendo abraçado por você.

E vou procurar uma placa para meu carro, que também tenha suas iniciais,

Porque assim, toda vez que tiver que olhar para ele, também me lembrarei de você (mesmo que seja na hora de receber uma multa....)

Vou usar seu nome nas minhas senhas e contra-senhas,

E você será a pauta das minhas resenhas.

Vou gravar seu sorriso e sorrir através dele.

Sua voz e falar através dela.

Vou mergulhar no seu mar e afogar meus desejos....

E no fim do dia.............quando a noite chegar...

Vou me entregar aos caprichos de Morfeu e pedir para que você esteja em meus braços..........

Embora sabendo das astúcias do filho de Hipnos, me permitirei embarcar nessa louca fantasia..........única forma de ter você.

Única forma de ter você....

NÃO ME PEÇA PARA FICAR...

Não, não me peça para ficar....

Tanto você quanto eu sabemos que tudo tem que parar por aqui...

Não é mais possível vivermos de ilusões e tentando, cada um de nós, nos enganarmos...

Não, não me olhe desse jeito, enxugue essas lágrimas, tire os cabelos do rosto...

Não me faça sofrer mais do que o necessário, é grande minha dor.

Não, não se aproxime de mim desse jeito, afaste seu rosto do meu....

Minha boca, agora está amarga e o trem já encostou na plataforma....terei de ir.

Levarei comigo as recordações de nossa louca história de amor.

E tentarei esquecer estes momentos de tristeza e dor....

Não, não chore, senão desabarei em prantos aqui mesmo na plataforma..

Solte minha mão....

Pare de me olhar assim....

O trem vai partir.....preciso ir agora....

Fique com você apenas os bons momentos...

Nossos beijos longos e apaixonados no escurinho do cinema....

Nossos amassos atrás do coreto do jardim...

O sorvete que passávamos para a boca do outro, e derretido, escorria pela boca...

Fique com meus sorrisos, meus gritos de empolgação quando você chegava....

Fique com o botão que você arrancou da minha camisa...

Fique com aquele carretel de linha vazio que lhe dei de presente...

E com a bonequinha na caixa de fósforo.

Fique com o que fui!

Esqueça o que hoje sou.....

O trem começa a andar devagarinho.....

Não vou olhar para trás....

Não quero ver seu rosto triste...

Nem seu aceno...

Adeus......

Obrigado por você ter passado na esquina da minha vida....

Vou me lançar agora de olhos fechados, nos braços da solidão.

Quiçá seja você mais forte do que eu....

E se um dia o destino nos reservar novo encontro...

Que tudo seja diferente.........

Adeus

FOTOGRAFIA DE UM OBSCURO EPÍLOGO

Manhãs pardacentas envoltas em brancas brumas que ora ofuscam, ora espairecem.

Névoas que sobrevoam o éter invadindo sem escrúpulos o âmago de uma mente ébria.

Devaneios doentios e amargos que insistem em macular minh’alma ainda vulnerável não obstante o passar dos anos.

Pensamentos a refletir ecos de décadas que se foram, a me torturar como parasitas mentais, remexendo no mais profundo de meus sentimentos.

Estado de alma febril a clamar pelo impossível, a cobrar o inatingível, na ânsia insana desta busca abstrata.

Lágrimas represadas insistem em marejar os olhos, inundando meu rosto de sulcos fervilhantes de recordações, que escorrem e molham meu peito marcado pela dor.

Devaneios doentios e amargos que insistem em macular meu coração ainda machucado e dolorido, não obstante o passar do tempo.

Aspectos de uma vida vivida e sofrida tão intensamente, marcando a ferro e fogo toda uma existência ...

Como se a vida se incumbisse de fotografar aqueles momentos e de tempos em tempos me mostrasse a foto, transportando-me no tempo e no espaço, a reviver os momentos vividos.

Os mesmos cheiros, os mesmos sons, as mesmas cores, a mesma atmosfera...

O calor do seu hálito morno a acariciar meu rosto, suas pequenas mãos a tocar meus cabelos, sua voz terna a sussurrar nos meus ouvidos...

Fantasmas de um tempo vívido e ao mesmo tempo sombrio, maculado pela dor de um triste epílogo, naquela plataforma repleta de anônimos transeuntes.

E chegamos ao fim...

Um sino, um apito, o ronco da G-12. Mãos se acenando, lágrimas escorrendo, coração sangrando, peito arfante, pernas cambaleantes, desespero estampado no rosto !!!

E o fim...

Devaneios doentios e amargos que insistem em dilacerar meu peito ainda não cicatrizado, não obstante o tempo implacável que já fez passar duas décadas.

Plataforma, trilhos, apitos, sinos, ranger de rodas, adeuses, lágrimas, e o trem sumindo na curva...

O fim ....

O cruel e inevitável fim ....

Ficaram as marcas desse tempo que se foi ....

“Não quero ficar na sua vida...como uma paixão mal resolvida...” já dizia o poeta.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O vazio... e o nada...

A presença da ausência nas noites frias...

A cama, metade vazia...o travesseiro no chão...

A janela aberta...o vento na cortina.

E o vazio invadindo o quarto.

A ausência da presença nas madrugadas vazias...

A alma, metade fria...frias as mãos...

A vida incerta, sequer se descortina.

E o sol não se deixa ver, este não invade meu quarto.

Noites frias...

Almas vazias...

Vidas incertas...a escapar pela janela...

Que se fecha ao perceber o sol.

Ausência da presença...

Como ausente está o sol.

Presença da ausência...

Como presente está o vazio.

Noites incertas...

Vidas vazias...

Almas frias...

A manhã expulsa a madrugada pela porta entreaberta,

E a janela, ainda fechada, resiste em deixar a luz do sol entrar.

Na cama, um corpo inerte...

Os olhos paralisados fitam o branco do teto...

Fitam o nada!

E o nada invade o quarto...

E o nada invade o corpo...

E o nada invade o nada.

A presença do nada, agora é tudo.

A ausência de tudo agora é o nada.

O nada...

Incolor...

Inodoro...

Insípido...

E indolor!

O nada é indolor.

Na cama um corpo inerte...

E o vazio se casa com o nada...

Com o nada...

Com o nada...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A "canadense" estranha

Sempre gostei de locomotivas !

De todas, sem exceção, embora tivesse (e ainda tenha) verdadeira fascinação pelas locomotivas a vapor.

Conhecia todas (sempre pelos apelidos), fazia questão de apreciar cada uma delas, cada qual com seu atrativo próprio, suas características principais, seu “traço de personalidade marcante”.

Na época que relato (década de 70), as principais locomotivas da Central do Brasil eram “ RS-3”, locomotivas eletrodiesel do estilo “Road-Switcher”, do fabricante americano de nome “ALCO” (American Locomotives Company), porém com um detalhe importante, estas foram fabricadas por uma sucursal da “ALCO” no Canadá, a “Montreal Locomotives Works”, por isso receberam, aqui, o apelido de “Canadenses”.

A “Canadenses” RS-3 era linda ! cabina com linhas arredondadas, um barulho todo peculiar do seu então possante motor de GE de 1600 HP (normalmente aspirado).

Foram as primeiras locomotivas com truques de rolamentos adquiridas pelo Brasil, pois até então, suas antecessoras eram dotadas de mancais de bronze lubrificados.

As “Canadenses” tracionavam todos os cargueiros da “Central”, muitas vezes em composições dúplex ( duas máquinas ) e até mesmo triplex ( três máquinas ).

O mais importante, porém, é que estas máquinas puxavam o Trem Expresso que nos transportava até Itatiaia, nas nossas férias de fim de ano.

Esperávamos o ano todo por este passeio e aquela buzina grave das Canadenses, passando em frente à nossa casa, com o trem expresso diurno, nos lembrava que teríamos um dia a menos a esperar pela tão esperada viagem.

Um dia, sentado às margens da linha, fui alertado por uma cena que me chamou muito a atenção...

Uma “Canadense de cara quadrada” com cabina em ângulos retos, uma interessante chaminé afunilada e formas totalmente diferentes da que conhecíamos, encontrava-se desviada, próximo à guarita do guarda-chaves.

Corremos para ver de perto a novidade e enquanto o trem se encontrava desviado, tivemos toda a oportunidade do mundo para “curtir” a máquina. Analisamos cada diferença, cada detalhe e ficamos encantados com aquela “Canadense diferente”. Nunca mais nos esquecemos deste dia !

Hoje sei que tratava-se da antecessora da RS-3, era uma das RS-1.

Esta locomotiva, também da Montreal Locomotive Works, chegou ao Brasil em 1943 e tivemos a feliz e rara oportunidade de presenciar uma de suas últimas aparições do ramal de São Paulo.

Como eu gostaria de ver novamente uma RS-1. Será que ainda existe alguma preservada por estes “cantões” do meu Brasil ??

O peregrino

O Expresso Boiadeiro, trem noturno que cruzava as alterosas buscando o Vale do Paraíba, precisamente a cidade de Cruzeiro, avançava debaixo de uma chuva torrencial, cujas rajadas de vento lavavam o interior da cabine da locomotiva.

Sua preciosa carga era uma boiada oriunda das Minas Gerais, que tinha como destino o grande e famoso “Frigorífico Bianco”, então a maior empresa da cidade, motivo de orgulho para todos os cruzeirenses.

O velho e experiente maquinista, juntamente com seu dedicado companheiro, o “Tião foguista”, se esforçavam para manter a pressão da caldeira, pois a lenha molhada do tender, já não oferecia o fogo voraz de algumas horas atrás, até encontrarem aquela violenta tempestade, na altura do lugar chamado Pé do Morro.

A roupa que antes estava colada ao corpo devido ao suor dos valentes ferroviários, agora estava ensopada também pela chuva. E estes sabiam que se por um lado aquela aguaceira toda trazia alguns inconvenientes, por outro servira para refrescar a cabine, cuja fornalha incandescente, trabalhava sem cessar, para manter a pressão de 180 lbs. indicada no grande manômetro, precariamente iluminado pela lâmpada amarelada da cabine, cujo bulbo enegrecido pela fuligem mostrava pingentes de picumã, que comprometiam ainda mais a tosca iluminação.

E a valente Consolidation avançava soltando grossas tranças de fumaça negra, apitando sem cessar para espantar o gado que normalmente pastava às margens da linha, naquele trecho. O farol, iluminando ao longe, mostrava os grossos pingos na escuridão da noite.

E eis que se aproximam da estação Coronel Fulgêncio, que antecede o grande túnel, quando o maquinista avista uma lanterna vermelha sacolejando na escuridão.

Pára o trem vagarosamente, espreguiça-se, relaxando a tensão dos últimos quilômetros, recomenda ao foguista que reforce a pressão na caldeira e complete a água do tender, depois caminha vagarosamente rumo à plataforma.

Ali chegando encontra o rondante do trecho com seu grande chapéu de couro e a pesada capa de lona. Cumprimentam-se e o rondante lhe faz algumas recomendações para a descida da serra, informando-lhe sobre os pontos mais críticos, sobretudo após fortes tempestades como aquela.

Logo depois da troca de informações de praxe, o rondante chama alguém que aguardava no outro extremo da plataforma e o apresenta ao maquinista.

Explica-lhe que aquele andarilho aparecera por ali ensopado, faminto e que tinha como destino também a cidade de Cruzeiro. “Pedi que aguardasse o trem pois achei que o senhor não se importaria de levá-lo” – conclui.

O maquinista, de coração generoso, concorda de pronto e convida então o desconhecido forasteiro a entrar na cabine da locomotiva para darem prosseguimento à viagem.

Dali até Cruzeiro, percorreriam os últimos 25 quilômetros, porém a serra, de elevada inclinação, exigiria muita habilidade para conduzir o comboio, sobretudo num tempo como aquele.

Já no interior da cabine, com o trem em movimento, o maquinista puxa conversa com o aquele homem. Somente agora observa o seu semblante harmonioso, a barba cobrindo o rosto, os cabelos compridos ondulados a cair sobre os ombros, o olhar sereno e a fala mansa.

Na medida em que o trem avança, sente-se uma atmosfera de paz, um agradável perfume silvestre invade o ambiente e o maquinista, de olhar sofrido e olhos orvalhados sente-se sensibilizado a abrir seu coração com o desconhecido passageiro.

Era véspera de Natal e ele comenta da pressa em chegar a Cruzeiro. Tinha uma promessa que, enquanto vivesse, jamais deixaria de visitar um presépio nesta data, para agradecer ao menino Jesus as bênçãos alcançadas durante o ano.

Conta ainda com os olhos mostrando grossas lágrimas, que tem um filho paralítico, de apenas 10 anos, e da certeza de que o Senhor um dia o curaria.... retira da algibeira seu relógio, confere as horas e comenta que daria tempo ainda de buscar a esposa e o filho para irem juntos à Missa do Galo ...

O desconhecido ouve com atenção, emociona-se também, e lhe destina palavras de ânimo, de fé, de confiança em Deus, da importância da resignação diante dos desígnios do Pai...

E a conversa se desenrola com tamanha emoção que, sem perceberam, já se encontravam na Estação Rufino de Almeida, em Cruzeiro, onde o gado seria desembarcado.

O pesado cargueiro pára no desvio, o auxiliar desce para fazer a chave, o maquinista agora faz a manobra, voltando somente com a locomotiva para a via principal. Absortos nos afazeres esquecem-se por uns momentos do misterioso passageiro e quando se voltam para o fundo do tender onde ele estivera nos últimos minutos, não mais o vêem. Ele se fora sem se despedir...

Os dois se entreolham, não entendem bem o ocorrido, e prosseguem até a Rotunda, onde a locomotiva ficaria para os preparativos da próxima viagem.

Despedem-se emocionados, com votos de um Feliz Natal, e seguem cada um para sua casa.

O maquinista caminha silencioso a pensar nas palavras do estranho homem que conduzira no seu trem.

Recorda-se da atmosfera de paz e harmonia que se instalara no interior daquela cabine enquanto ele ali estivera e do estranho perfume que invadira a cabine...

Caminha absorto nos seus pensamentos e nem percebe que se aproximara de sua casa. Assusta-se quando ouve a esposa gritar, chorando e rindo ao mesmo tempo, corre para ela !

E eis que de repente, pela porta entreaberta de sua singela residência, aponta um menino de pé, equilibrando-se com dificuldade...

Ele o vê pela fresta iluminada e reconhece, é seu filho!

Velhas estações

Ali está a velha estação perdida no alto da serra, esquecida naquele deserto verde. Suas paredes de madeira confundem-se entre os galhos tortuosos das velhas árvores que teimam em forrar a plataforma com um macio tapete de folhas.

O único ruído que se ouve é o matraquear do velho telégrafo. Através daquelas palhetas chegam os pontos e traços ; única maneira de alguém se comunicar com aquele lugarejo afastado de tudo e de todos, onde residem pouco mais de dez pessoas entre funcionários da ferrovia e seus familiares.

A densa floresta, dividida pelo leito da ferrovia, insiste em avançar por sobre as pedras e dormentes enquanto as ramagens das árvores, num entrelaçado de cipós e folhas, formam um “telhado verde” que resiste heroicamente ao calor da fumaça e das chispas que voam velozmente das negras chaminés das locomotivas.

A chegada do Expresso é o momento mais esperado do dia. Todos correm para a estação, quando ouvem o apito da velha locomotiva a vapor na curva do rio.

A expectativa é grande :

- Quem será que vai viajar hoje ?

- Será que vai chegar alguém novo no vilarejo ?

- Será que o Correio trará alguma correspondência ?

- A encomenda tão esperada terá chegado neste trem ?

E assim todos se aproximam do trem encostado na plataforma e observam enquanto os carregadores desembarcam a bagagem, levando grandes caixas e malotes até o armazém.

As meninas-moças aproveitam a oportunidade para lançar um olhar de soslaio no interior das classes, à procura de um “bom partido”, na esperança de que, arranjando um casamento, saiam daquele “fim de mundo”.

Mas toda aquela euforia dura apenas alguns minutos, pois logo o apito do chefe da estação sinaliza avisando da partida do comboio. E a velha locomotiva a vapor, soltando tranças de fumaça escura, sai resfolegando da estação, rumo à próxima parada, onde a cenas com certeza se repetirão...

Volta a reinar o silêncio absoluto, apenas interrompido pelo alegre cantar de um inhambú-chororó, ou pelo arrulho de uma juriti gemedeira.

A estação volta a ficar só e o velho telegrafista dormita por detrás de uma tosca e pesada mesa de madeira, enquanto o matraquear das palhetas transmitem os pontos e traços de uma enigmática mensagem.

E no rastejar das horas, aproxima-se a noite, onde um velho lampião a querosene, com suas trêmulas chamas, tenta iluminar com seu clarão avermelhado, o interior daquela pequena sala. Ali estão o aparelho do seletivo, o telégrafo, o staff, e num canto da sala, um porta bandeirolas, com três bandeiras: uma verde, uma amarela e uma vermelha.

Um grosso vidro de goma arábica sobre a mesa, com uma tampa terminada em pincel; um porta carimbos lotado; pesados livros de capa dura revestida de tecido cáqui; o arco metálico revestido de couro, para prender a licença.

Paisagens de um tempo de glória da nossa ferrovia, hoje tão esquecida, tão abandonada...

Memórias de um tempo em que a magia se misturava à poesia e alegrava os corações dos ansiosos passageiros a lotar as plataformas na espera daquele apito que ecoava na serra, indicando que o Expresso se aproximava....

E o gostoso cheiro do carvão mineral queimado se misturava com os alvos leques de vapor que inundava a estação.

Por isso, quando passar por uma velha estação, olhe-a com carinho e respeito, pois ela certamente registra marcas de um passado de glória. Glória esta que a insensatez dos homens acabou transformando em tristes monumentos destruídos pela implacável ação do tempo.

O telegrafista

Na pequena estação esquecida no alto da serra, reinava o silêncio e a solidão naquela abafada noite.

O ar parado, sequer as folhas das árvores se mexiam... Uma atmosfera misteriosa rondava o ambiente.

O manobreiro cochilava com a cabeça apoiada sobre a mesa, espantando com as mãos os pernilongos que insistiam em “cantar” nos seus ouvidos.

José Francisco Neto, o telegrafista, incomodado com a monotonia do ambiente, prefere sair e sentar-se sobre a plataforma vazia e escura. Enquanto isso observa as estrelas, na expectativa de que uma suave brisa venha lhe acariciar os cabelos...

De repente, o silêncio é quebrado pelas batidas da palheta do telégrafo e ”de ouvido” pega uma mensagem misteriosa: “... a solidão toma conta de mim...”

Corre para o manipulador e pergunta de onde vem a mensagem, quem está do outro lado?

Em resposta, o mais absoluto silêncio...

Ele retira o surrado relógio de algibeira de dentro do bolso, confere as horas e arrepiado constata: os ponteiros apontam para o infinito, era meia noite.

Calafrios percorrem sua espinha, ele olha para o companheiro que ronca debruçado sobre a mesa já sem se preocupar com os pernilongos, este nada presenciara!

O restante do turno corre tranqüilo e sem novidades, mas o impressionado telegrafista não se esquece da misteriosa mensagem captada naquela noite.

Não comenta nada com os amigos com medo de ser ridicularizado, mas ansioso, já fica pensando na próxima noite.

E ela chega mais rápido do que ele imagina... Repete-se a cena: a estação deserta, o silêncio, a atmosfera abafada, o manobreiro dormitando, debruçado sobre a mesa...

Desta vez ele não vai para a plataforma, fica “grudado” no telégrafo aguardando a “hora grande”.

E no momento exato em que os ponteiros se juntam e o relógio da estação começa a bater as dozes badaladas noturnas, uma nova mensagem começa a se desenhar nos pontos e traços da amarelada fita: “... nesses momentos de sofrida solidão...”

Mais uma vez calafrios violentos tomam conta do corpo do telegrafista que passa as mãos sobre os cabelos ao sentir que estão arrepiados...

Com as mãos trêmulas e os olhos orvalhados de emoção, pergunta mais uma vez se aquilo é brincadeira de algum colega de outra estação, pergunta se algum outro telegrafista captara a mensagem.... De novo tem como resposta, o mais absoluto silêncio.

Corre para o banheiro, lava o rosto, se olha no espelho...

Toma uma caneca de café quente, sai no pátio e observa a passagem de um trem cargueiro, que desaparece na curva, deixando para trás a fumaça cheirosa do carvão mineral e os apitos que ecoam nas encostas da serra.

Nos próximos dias não consegue mais pensar em outra coisa, sente-se obsidiado pela idéia, ansioso por chegar ao fim dessa misteriosa história.

E as mensagens se sucedem nos próximos três dias, completando a enigmática mensagem, que em rimas dizia:

” A tristeza toma conta de mim,

Nesses momentos de sofrida solidão.

Desde que daqui parti,

Sangrando está meu coração.

Por isso me aproximei de ti,

No silêncio desta nossa estação.

E contigo estarei sempre,

Creia, não se trata de sua imaginação.”

E a última mensagem esclarece:

“Quer saber quem sou eu? Veja o Livro de Ocorrências dos Telegrafistas, página 89, ano de 1894”

Surpreso e profundamente impressionado, o telegrafista observa que trata-se de um livro de 90 anos atrás.

Após uma demorada busca nos arquivos empoeirados da estação, finalmente encontra um velho e amarelado livro de capa dura desbotada. Abre o livro na página mencionada e trêmulo de emoção observa entre as anotações referentes às atividades do telegrafista do plantão da noite, disfarçada no cantinho da página, escrito à lápis, uma frase que estivera presente no seu pensamento durante todos aqueles dias:

“... a tristeza toma conta de mim, nesses momentos de sofrida solidão...”

Vira afoito a folha para ver a assinatura do telegrafista e com a vista embaralhada pelas grossas lágrimas que inundam seus olhos, desvenda, enfim todo aquele mistério...

Assina o relatório, o telegrafista José Francisco, seu falecido avô.

O expresso da desilusão

O cheiro de relva molhada invade o interior do noturno naquela madrugada de sábado, misturando-se com o odor da fumaça pardacente, expulsa velozmente pela chaminé da “ Consolidation” que busca ruidosamente o sul de Minas pela R. M. V.

O rapazinho imberbe, com o olhar perdido no horizonte, cola o rosto no vidro frio da janela, onde gotas do orvalho da madrugada se deslizam, uma após outra, brincando na superfície escorregadia da vidraça.

E o trem, sacolejando na escuridão da madrugada, prossegue sua viagem, fazendo ecoar por entre os cortes, um apito triste e angustiante, oprimindo ainda mais o seu peito.

A luz amarelada e oscilante do interior do vagão dá um toque ainda mais sombrio à cena, no crepúsculo daquela madrugada fria.

Os passageiros, adormecidos, ignoram o drama a se desenrolar ali ao lado e o jovem, olhos fixos na janela, vê seu rosto espelhado no vidro e duas lágrimas a rolarem, imitando as gotas de orvalho do lado de fora da janela.

O som cadenciado do vapor agora é mais lento e no trecho mais íngreme da serra o comboio quase chega a parar, exigindo do foguista um esforço extremado para manter a caldeira da Baldwin, com a pressão necessária para superar aquele difícil trecho da Serra da Mantiqueira.

E o jovem rapaz ali, inerte, mudo, olhar perdido no horizonte, apenas enxuga o rosto, passa as mãos nos cabelos despenteados, soltando às vezes um suspiro ou um soluço, quando grossas lágrimas insistem em banhar seu rosto.

Minas Gerais, cidade de Maria da Fé, é o seu destino !

É ali que ele busca aquela que encantara seus dias, tornando-os os mais venturosos de sua vida !

Na pequena e aconchegante Maria da Fé está a sua esperança de reencontrar o grande amor da sua vida, a doce e adorável musa que o fez enxergar a vida com outros olhos, alimentando suas fantasias e trazendo uma indescritível sensação de felicidade que transbordava de seu peito e chegava até mesmo a contagiar aquelas pessoas com as quais convivia.

E naquele trem, naquela madrugada, buscava ele novamente uma razão para viver. Desde que se despedira dela na estação de Cruzeiro, não mais encontrara a paz, e a a felicidade o abandonara tornando sua vida triste e acinzentada. Há meses vinha adiando esta decisão, mas agora estava decidido, iria a seu encontro à qualquer custo !

Porém, seu coração estava oprimido, sua garganta apertada e seus olhos vermelhos, diante da expectativa de uma possível desilusão.

Estava inseguro, amedrontado nervoso...

Tinha medo do que iria encontrar; afinal há tempos suas cartas deixaram de ser respondidas...

Relembra os momentos em que passaram juntos...

Os beijos apaixonados sob o céu salpicado de estrelas, na “ praça nova “ da bela e graciosa Cruzeiro.

As juras de amor eterno e os planos para um futuro “ninho de amor”, enquanto ouviam o “Grupo Abba” na pequena vitrola à pilha.

As carícias, os sussurros, os sonhos de amor e os planos de uma união que jamais aconteceu...

Sente ainda o sabor dos seus lábios mornos e o perfume dos seus cabelos esvoaçantes naquele último beijo na plataforma da estação de Cruzeiro...

Quer gritar para o mundo o quanto a ama, quer dizer para todos o quanto sofre, quer escrever o seu nome no vidro embaçado da janela, mas nada faz; apenas chora, e seus olhos, cansados acabam se fechando e ele adormece embalado pelo balanço do expresso noturno que avança sem cessar.

O cansaço acaba tomando conta do seu corpo e agora ele dorme... E sonha com ela a correr de mãos dadas com ele sobre um gramado verde e macio...

E a vê sorrindo, chamando seu nome com aquele rosto trigueiro que tanto o encantou...

Ele corre e a abraça, beijando-a com avidez, acariciando seus cabelos, seu corpo, beijando seu rosto, seus olhos, sua boca...

Eis que de súbito é acordado pelo Chefe do Trem que o avisa estarem se aproximando da próxima estação: Maria da Fé !

Acorda assustado, ainda perdido entre o lindo sonho e a dura realidade. Recusa-se a acreditar que tudo aquilo não passara de um devaneio, quer fechar os olhos para sonhar mais, mas não pode...

Desolado pega sua bagagem, desce aturdido na pequena estação e observa o trem partindo com apitos estridentes que se perdem na curva e ficam cada vez mais distantes.

Relutante dirige-se a uma pequena pousada nas adjacências da estação, deixa ali uma pequena bolsa com seus poucos pertences e sai imediatamente à procura dela.

Tem às mãos uma carta ( a última que recebera ) e seguindo o endereço do remetente procura o endereço, encontrando-o facilmente a algumas quadras dali.

Nervoso, com o coração a palpitar e a respiração ofegante bate palmas e depois de algumas tentativas, eis que sai uma senhora para atendê-lo.

Sua ansiedade é grande, aperta o envelope entre os dedos e gaguejando cita o nome dela, perguntando se é ali mesmo o endereço.

Recebe a resposta como uma punhalada em seu coração; o endereço era aquele sim, mas ela havia se mudado já há algum tempo, por ocasião do seu casamento.

A notícia deixa-o desnorteado, quer morrer, gritar, correr, chorar e acaba afogando suas mágoas no balcão de um pequeno e malcheiroso botequim dali de perto.

Daquele dia em diante nunca mais foi o mesmo. Naquela noite dormiu na praça, na noite seguinte sob uma árvore, e na seguinte sob um viaduto.

Comia quando e o que lhe davam e vivia embriagado junto aos “andantes” que mendigavam pelas ruas da cidade, seus pertences nunca mais foram procurados na pousada onde os deixara...

Nos seus raros momentos de lucidez, contava sua história com detalhes que fazia pena aos seus ouvintes.

E nas frias manhãs de Maria da Fé, aquele maltrapilho homem, vestido em farrapos, passava a fazer parte de um triste cenário no pátio da estação. Ali estava ele todas as manhãs, à espera do expresso noturno, na expectativa de que ela um dia retornasse aos seus braços.