quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SAUDADES DE CRUZEIRO

Me chamam de saudosista, mas como não me lembrar das manhãs orvalhadas em que os trilhos da ferrovia amanheciam molhados de frias gotas a cintilarem a brilhante luz do sol nascente ?
Rotulam-me de nostálgico, porém, como me esquecer daqueles tempos áureos em que a juventude se manifestava com toda sua vitalidade, embalando-me em sonhos e devaneios à cerca do futuro ?
Quantas vezes, sentado às margens da linha, nas minhas divagações, não me vi envergando o garboso uniforme verde-oliva com pelo menos 3 divisas ( queria ser Sargento do Exército !! ) ?
E quando a Canadense apontava no horizonte com sua buzina rouca e grave e o farol aceso, arrastando o especial militar com carros de combate sobre as pranchas, e no final do comboio, uma classe repleta de soldados ...?!
Debruçado sobre a janela do quarto, nas noites cruzeirenses enluaradas, observava ao longe a classe de passageiros no final do cargueiro desviado na linha-2, era o Trem Leiteiro, aguardando intervalo para seguir sua longa e demorada viagem rumo a capital. A luz fraca e amarelada no interior da classe de madeira, me transportava para um universo de imaginações que me fazia viajar...
O embarcadouro onde se fazia o baldeio do gado da bitola estreita para a larga e vice-versa, o Posto de Desinfecção de Veículos com seu gostoso cheiro do cal que branqueava toda a vegetação ao lado da linha do viradouro da SR-2.
Como esquecer do Sr. Mário Lamas, do Sr. João de Barros, do Sr. Justino, do Osvaldo, do Merlin ??? ( todos funcionários do Ministério da Agricultura, que trabalhavam no Posto de Desinfecção ).
E dos meus inseparavéis amigos João e Serginho, nossos inseparáveis companheiros de aventura no pátio do posto, no goiabal... das nossas partidas noturnas de futebol ???
Chego a me perguntar porque o tempo implacável nos impõe tantas mudanças, e me questiono sobre a real validade de alterações tão radicais no curso da história ( teriam elas se revertido em benefícios reais para nós ??? ).
Tempos em que a ferrovia brilhava como um meio de transporte eficaz e seguro, com suas ramificações se estendendo por todo o território nacional.
A linda e majestosa estação de Cruzeiro, construída no fim do século passado, se via repleta de passageiros que ora chegavam, ora partiam. O entroncamento ferroviário Rio-São Paulo-Minas fazia com que fosse grande o movimento e ali era um dos principais pontos de encontro dos jovens.
Quando romances não nasceram naquela plataforma ???
Quantas chegadas e partidas ???
Quantas lágrimas e sorrisos ???
Quantos sonhos de amor não se desfizeram naquela plataforma, embalados pelos silvos estridentes de uma locomotiva a vapor, que ruidosamente atravessava a cidade rumo às escarpas da Serra da Mantiqueira ???
De um lado a Canadense com a “batida” toda característica de seu motor ALCO, com aquela luzinha amarelada da cabina, esperando a liberação para arrancar com o Expressinho pela madrugada adentro, rumo ao Rio de Janeiro.
Do outro lado da estação, a G-12 de bitola métrica aguardava silenciosamente o momento de partir para Minas, com seu ronco ensurdecedor que fazia tremer as paredes das casas às margens da linha...
Vendedores de salgados ofereciam uma variedade de opções e disputavam espaço com suas bandejas e cestinhas de taquara junto às janelas. No meio deles, estava eu, um jovem e sonhador vendedor de pastéis, kibes e balangandans ( risoles ), que com minha bandeja arredondada tentava persuadir os passageiros a adquirir os meus salgados ao invés dos do concorrentes.
Saudades de um tempo que não mais voltará...
Saudades de uma época em que as dificuldades financeiras eram grandes e a luta pela sobrevivência exigia muitos sacrifícios de toda nossa família, porém isso não conseguia afetar o nosso gosto pela vida e a nossa alegria de viver. Éramos muito felizes !!!
Saudades de uma vida mais tranqüila, mais amena, sem ansiedades...
Dos tempos em que as coisas aconteciam mais com mais vagar, as pessoas respiravam mais pausadamente e andavam ao invés de correr .
Tempos em que os jovens freqüentavam as pracinhas da cidade nos finais de semana, para o tão tradicional “footing” .
Se sou saudosista, não sei, só sei que vivi intensamente esses momentos e faço questão de mantê-los acesos na minha mente, se bem que às vezes entristeço-me com a realidade do hoje.
Nostálgico, talvez seja, mas a cada vez que fecho meus olhos ouço a buzina da Canadense, da Biriba, da G-12...
Se me concentro um pouco, ouço os apitos melodiosos das Maria-Fumaças, quando viravam o trem de passageiros em frente a minha casa.
E me surpreendo sentindo os cheiros que sentia: cheiro de orvalho no capim-gordura; cheiro de ferro aquecido das caldeiras das máquinas a vapor; jamais me esquecerei do cheiro todo característico do interior das classes do Trem de Aço ( o D.P. )
E de recordação em recordação, viajo no tempo, retornando àquelas situações que somente se encontram vivas no meu pensamento, pois nunca mais se repetirão.
Mas estarão eternamente vivas, permanecerão presentes em minha mente por toda uma eternidade. Mesmo que este corpo se vá, meu espírito, que é a sede da minha individualidade, registrará estes momentos felizes de minha vida, que jamais se apagarão, jamais serão extinguidos.

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