segunda-feira, 31 de março de 2008

O ARMAZÉM DA AGEF DE CRUZEIRO

“Baby, se você me quisesse, como eu te quero, e ficasse comigo !

Baby, meu amor é tão grande, numa vida não cabe, é tão grande meu amor...”

E a pequena vitrola “Teleotto”, cuja tampa vermelha é a própria caixa acústica, toca o antigo disco arranhado, onde o Grupo “ The Fevers ” canta uma sentida canção de amor.

É sábado, uma tarde de primavera, e enquanto a “sonatinha” roda o LP, já quase desafinando em função da rotação alterada (as pilhas já se encontravam fracas), o jovem conferente de apenas 14 anos de idade acompanha a descarga dos vagões lotados de arroz, no armazém da AGEF, em Cruzeiro.

Corre o ano de 1975 e a CFP ( Comissão de Financiamento da Produção do Banco do Brasil ) adquirira toda a safra do estado do Mato Grosso. Cerca de 300.000 sacas de arroz seriam trazidas via ferroviária até Cruzeiro, para o armazém da Rede Federal de Armazéns Gerais Ferroviários, subsidiária da R.F.F.S.A.

E a locomotiva RS-3, a conhecida Canadense entrava e saia das diversas plataformas, ora trazendo os vagões cheios, ora retirando os vazios. Com o “ bagalan-bagalan-bagalan” cadenciado e todo peculiar do seu motor Alco, a buzina rouca, e o bonito vermelho-cereja, esta era o grande atrativo daquele armazém.

O jovem rapaz, às voltas com conhecimentos de carga, romaneios de pesagem e retirada, pedidos de depósito, notas fiscais de entrada e saída e a conferência da sacaria que descia dos vagões, largava tudo quando ouvia a locomotiva. Dela se aproximava, entrava na cabine, participava da manobra, depois descia e voltava para sua velha Underwood, para emissão dos documentos.

Enquanto isso a vitrolinha tocava. Agora o Grupo ABBA cantava a música “Fernando”, e esta lhe maltratava o coração, chegava a lhe arrancar lágrimas dos olhos ( só ele sabia o porquê ).

E assim se passavam os dias, as semanas, os meses e os anos. E ele vibrava com cada uma de suas funções, tinha orgulho de trabalhar ali, gostava do cheiro do arroz em casca, do movimento dos saqueiros, de contar os blocos de arroz empilhados ( lastro x altura = quantidade de sacos ).

Mas o que mais o deixava feliz e orgulhoso era saber que com apenas 14 anos, já executava tarefas tão importantes como escrever no Livro de Registro de Entradas, utilizando a caneta tinteiro ( só ele e o Agente de Armazém é que tinham autorização para usar a Scheaffer ).

Vez ou outra era necessário buscar as Notas Fiscais e os Conhecimentos Ferroviários de Carga com o Chefe da Estação da Central, e a carona na locomotiva era inevitável. Nesses momentos o jovem adolescente era todo criança e acenando para os transeuntes, buzinava a máquina enquanto transbordava de felicidade. Sua emoção era tanta que freqüentemente os risos acabavam se misturando com choro, que ele constrangido, tentava esconder do maquinista.

Já na estação era recebido pelo Sr. Oswaldo Silva, que com seu impecável terno azul marinho, seu tipo esguio, e sua voz grave, carimbava toda a documentação e assinava-as, colocando-as a seguir, num envelope de cor parda, cujas bordas eram coladas com goma arábica.

Não muito raro conseguia uma carona de volta, na manobreira da bitola métrica da R.M.V. e descia próximo à rotunda, caminhando apenas alguns metros até o armazém.

A AGEF era sua segunda morada. Aliás, ficava mais tempo ali do que em sua própria casa e não foram poucas as noites em que ali permanecera, cobrindo voluntariamente as folgas do vigia.

AGEF de tantas histórias, de tantas memórias, de tantas saudades...

E a pensar que hoje ali está boa parte do material ferroviário destinado a eletrificação da Ferrovia do Aço, que jamais foram utilizados.

Milhões de dólares transformados na “sucata mais rica do mundo”, registrando a insensatez daqueles que estiveram ( e ainda estão ? ) à frente do governo desta nação. Aqueles cuja inconseqüência e irresponsabilidade no trato com o dinheiro público sempre foi e infelizmente continua sendo marca registrada.

Um comentário:

Anônimo disse...

e hoje na AGEF temos de staff a CTC novo... toda uma historia, dos primeiros equipamentos ,a té o mais modernos, encostados... e ali trabalhando outros vigias, que não negam historia do ultimos trens que la entraram, um deles até c/ o portao fechado hehehehe
manobrinha do cimento ... do café em container ... e poraí vai...
hoje em sua frente são estocados os vagoes fora de uso... raramente rola alguma manóbirinha...

e o blog TA SHOW !!!

T++