terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Velhas estações

Ali está a velha estação perdida no alto da serra, esquecida naquele deserto verde. Suas paredes de madeira confundem-se entre os galhos tortuosos das velhas árvores que teimam em forrar a plataforma com um macio tapete de folhas.

O único ruído que se ouve é o matraquear do velho telégrafo. Através daquelas palhetas chegam os pontos e traços ; única maneira de alguém se comunicar com aquele lugarejo afastado de tudo e de todos, onde residem pouco mais de dez pessoas entre funcionários da ferrovia e seus familiares.

A densa floresta, dividida pelo leito da ferrovia, insiste em avançar por sobre as pedras e dormentes enquanto as ramagens das árvores, num entrelaçado de cipós e folhas, formam um “telhado verde” que resiste heroicamente ao calor da fumaça e das chispas que voam velozmente das negras chaminés das locomotivas.

A chegada do Expresso é o momento mais esperado do dia. Todos correm para a estação, quando ouvem o apito da velha locomotiva a vapor na curva do rio.

A expectativa é grande :

- Quem será que vai viajar hoje ?

- Será que vai chegar alguém novo no vilarejo ?

- Será que o Correio trará alguma correspondência ?

- A encomenda tão esperada terá chegado neste trem ?

E assim todos se aproximam do trem encostado na plataforma e observam enquanto os carregadores desembarcam a bagagem, levando grandes caixas e malotes até o armazém.

As meninas-moças aproveitam a oportunidade para lançar um olhar de soslaio no interior das classes, à procura de um “bom partido”, na esperança de que, arranjando um casamento, saiam daquele “fim de mundo”.

Mas toda aquela euforia dura apenas alguns minutos, pois logo o apito do chefe da estação sinaliza avisando da partida do comboio. E a velha locomotiva a vapor, soltando tranças de fumaça escura, sai resfolegando da estação, rumo à próxima parada, onde a cenas com certeza se repetirão...

Volta a reinar o silêncio absoluto, apenas interrompido pelo alegre cantar de um inhambú-chororó, ou pelo arrulho de uma juriti gemedeira.

A estação volta a ficar só e o velho telegrafista dormita por detrás de uma tosca e pesada mesa de madeira, enquanto o matraquear das palhetas transmitem os pontos e traços de uma enigmática mensagem.

E no rastejar das horas, aproxima-se a noite, onde um velho lampião a querosene, com suas trêmulas chamas, tenta iluminar com seu clarão avermelhado, o interior daquela pequena sala. Ali estão o aparelho do seletivo, o telégrafo, o staff, e num canto da sala, um porta bandeirolas, com três bandeiras: uma verde, uma amarela e uma vermelha.

Um grosso vidro de goma arábica sobre a mesa, com uma tampa terminada em pincel; um porta carimbos lotado; pesados livros de capa dura revestida de tecido cáqui; o arco metálico revestido de couro, para prender a licença.

Paisagens de um tempo de glória da nossa ferrovia, hoje tão esquecida, tão abandonada...

Memórias de um tempo em que a magia se misturava à poesia e alegrava os corações dos ansiosos passageiros a lotar as plataformas na espera daquele apito que ecoava na serra, indicando que o Expresso se aproximava....

E o gostoso cheiro do carvão mineral queimado se misturava com os alvos leques de vapor que inundava a estação.

Por isso, quando passar por uma velha estação, olhe-a com carinho e respeito, pois ela certamente registra marcas de um passado de glória. Glória esta que a insensatez dos homens acabou transformando em tristes monumentos destruídos pela implacável ação do tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo poema, traz saudades para aqueles que conheceram esta epoca, e um lamentar para os que não viram ou sentiram esse tempo.

bhte,03 de março de 2008.